sábado, 3 de abril de 2010

Argentina






8 de novembro de 2009

A fronteira da Bolívia com a Argentina guarda as separações mais evidentes entre todas as outras por que passei.
À partir de La Quiaca, as cidades são arborizadas, limpas. Cruzei-a e, mesmo antes de sair, um caminhoneiro que havia me visto na fronteira quando me revistavam a mochila, parou. Pelo menos para isso me serviu a revista!
Me levou até Jujuy, mas antes parou para comprar queijo de bode e lanchamos debaixo dos pés de sauce chorão. Queijo de bode com chimarrão.
Chegando a Jujuy, fui até a praça do centro perguntar aos artesãos sobre um lugar barato pra ficar, em castelhano, claro. Resulta que dos seis que estavam lá, só dois não eram brasileiros, e um deles, depois de tomarmos a sopa da igreja, me levou onde ficavam e pagavam 5 pesos para dormir mais 2 pesos para tomar banho. Não havia colchão, era mesmo só um teto.
Jujuy é linda, tem praças exuberantes, é organizada e tem um bonito calçadão. Eu me assustei com o tamanho, pois Laura sempre se referia ao seu "povoado", e isso, para mim, significava um lugar pequeno.
Aí passei a noite, com os artesãos "livres e revolucionários", que brigavam por dinheiro e dormiam no meio da sujeira dos cachorros que traziam da rua.
No dia seguinte saí para Salta. Um desses brasileiros era de Londrina, e resolveu seguir-me. Na saída da cidade lembro-me que encontramos dois pés de amora carregados, e comemos tudo o que pudemos, tingindo a boca e as mãos.
Chegamos de carona até El Carmen, e de aí, Rony resolveu vender pulseirinhas para pagar nosso ônibus. Fomos até Monterrico, aí mais umas pulseirinhas e tomamos um ônibus para Guemes. Em Guemes o ônibus parou 5 minutos, e nós, fingindo que dormíamos, continuamos até Salta, nosso destino.
Chegamos a Salta antes das 22h, era sábado. Rony logo encontrou conhecidos no parque da cidade, e fomos com eles para a praça, bebendo fernet com coca. Eu pela primeira vez.
Aí ficamos algum tempo, e depois fomos todos a um bar com mesas de sinuca. Foi nessa noite que me roubaram a tranqüilidade do dinheiro guardado, e tive que mudar um pouco a maneira que estava vivendo. Rony bebeu tanto que ficou caído no bar, e eu tive raiva porque o dono cobrava que eu fizesse algo, e ainda não pude ir com os outros meninos ao próximo lugar. Aí mesmo ele foi trancado e dormiu. Fui embora com Beto, seu amigo, e o irmão para a casa deles, que ficava a uns 40 min de ônibus. Eu só me dei conta do roubo no dia seguinte, quando ia fazer câmbio para comprar vinho.
Tinha ficado com 24 pesos e o passaporte. Acredito que quem me roubou estava conosco, porque ainda foi "bom" e me deixou com algo de dinheiro e o mais importante: o documento. Só me roubaram o dinheiro em dólar nos desafortunados 10 ou 15 min em que estive jogando sinuca com Fernando, um índio bonito, e Beto e me separei da mochila.
Passamos mais esse dia em Salta, Beto me levou para conhecer algumas praças e demos um volta pelo centro. Encontrei Rony na praça da igreja, e me pus a fabricar pulseirinhas outra vez. Ainda aprendi alguns pontos novos com Beto, pelos quais antes eu não me havia interessado.
No dia seguinte saímos por voltas das 8h, e, com muita dificuldade e caminhando muito, saímos da cidade e chegamos a uma via de trânsito rápida, onde, estranhamente de imediato um caminhão parou. Eram dois, um menino de 23 anos, Fabrizio, e um companheiro que ia descer logo adiante. Ele ia até Pichinal, bem perto de onde íamos entrar na "ruta 81".
Paramos para cozinhar. Ele comprou muita carne. Paramos debaixo de uma árvore, montamos o fogão improvisado e almoçamos. Chegando a Pichinal, o ajudamos a descarregar caixas e caixas de panetone ("pan dulce"). Mais uma entrega na próxima cidade e passamos a noite na praça de estacionamento de outra.
Nessa noite, Fabrizio descobriu que havia feito entrega da marca errada, e teria que voltar à última cidade para fazer a troca. No dia seguinte, voltamos e eles não quiseram me deixar ajudar. Fiquei na praça com o artesanato, e umas crianças que estudavam na frente da praça compraram algo.
Uma entrega mais e saímos em direção à 81. Dormimos num posto de gasolina, mas antes Fabrizio parou para comprar peixe. Éramos quatro: eu, ele, Rony e Juan, que Fabrizio contratou porque supostamente conhecia os locais e ajudaria a descarregar. Ele mascava coca com cal o tempo todo, e tinha um jeito matuto muito caricato. Comemos "pescado a la pizza", que assamos numa fogueira, e fomos dormir.
No dia seguinte, que deveria ser o segundo com Fabrizio, mas já era o terceiro, nos despedimos e rumamos para o trevo com a 81. Do posto nos levaram rápido, mas chegando no trevo as coisas começaram a complicar. Primeiro porque nos pediram a documentação e Rony, sem passaporte, quase ficou. Um sol escaldante e a estrada vazia. A muito custo nos levaram de pouco em pouco.
Chegamos a Dragones, comemos um pão com mortadela por absurdos 4 pesos e aí ficamos várias horas.
Um caminhão de coca nos levou até um pequeno povoado chamado Capitan Juan Page. Já era final de tarde, o sol estava começando a se por e decidimos caminhar. Descobrimos, perguntando a umas senhoras que caminhavam, que havia um posto policial a 6km. O pôr-do-sol foi exuberante, a seca causava o efeito dos tons violeta e vermelho, e depois o céu estrelado sem luzes. Chegamos ao posto policial "Ingeniero Juarez" e o coronel nos pediu documentos outra vez. Sem maiores problemas com Rony. Logo o coronel nos convidou a entrar, tomar banho, fazer o jantar e nos arranjou colchões. Eu quis dormir na varanda, apesar deles acharem absurdo, porque não suportava o calor.
No segundo dia, em que deveríamos ir embora, a convite do coronel, ficamos. Fomos de carro ao povoado fazer compras para o almoço. Passamos pela aldeia dos índio Wichi, pois un deles, que consertava a bomba do poço artesiano dos policiais, estava conosco. Quando voltamos, o almoço estava pronto. Tomamos vinho e cerveja preta. Colocamos a rede e passamos o dia conversando. À tardezinha chegou uma equipe de biólogos procurando uma espécie de lagartixa. Uma delas era brasileira, de Brasília. Ajudamos a procurar, mas não deu em nada.
Fui visitar a 14ª cruz da peregrinação, seguindo o conselho do policial. No começo da noite, quando eu e Rony voltávamos de lá, chegou ao posto um empresário. Os policiais assinavam papéis de sua madeireira. Eles conversaram com Luciano, que concordou em nos dar uma carona até Posadas, já perto da fronteira. Naquela noite avançamos um pouco com Luciano numa Strada e ele nos convidou a jantar e dormir num hotel confortável.
No dia seguinte, fizemos 900km com ele. Na estrada plana e reta, ele não andava a menos de 150km/h, enquanto me contava sua vida de novela. Ele daria um bom protagonista da novela das 8. Rony ia atrás, mais de 40°C, clima extremamente seco, as pernas queimando. E eu na frente, ar-condicionado, rock clássico, e ouvindo coisas que ora me impressionavam, oram me incomodavam. Ainda mantenho contato com Luciano.
De Posadas emendamos uma carona até 200km de distância da fronteira. Outro filho de brasileiros, falava um portuñol engraçado.
Dormimos no posto, e daí nos levaram até Puerto Iguazú. Tomamos um ônibus urbano até a fronteira do lado argentino. Carimbei meu passaporte e não tive problemas, mas Rony, sem documentos, ficou. Só poderia vir na segunda-feira, e era sábado. Separamos as coisas e caminhei mais da metade do caminho de uma fronteira à outra, depois alguém me deu uma carona. Muito calor, muito verde, azul e nenhum vento. Quando cheguei no Brasil, tinha vontade de gritar, abraçar todo mundo. Já há muito tempo sem falar português, trocava muitas palavras. Fiquei na frente do posto da fronteira pedindo carona. O guarda ficou com pena, e me arranjou uma vaga num ônibus de luxo que ia pra São Paulo. Cheguei em Londrina já muito tarde, e fui tentar a casa de uma amiga com quem há muito não falava. Ela não estava, e eu não conhecia o outro menino que estava morando lá. Pedi por favor, disse que a conhecia. Ele me deixou entrar e desmaiei na sala. Uma sala brasileira, depois de tanto tempo, tantas outras salas, quartos, estradas. No dia seguinte, carona pra casa.

Bolívia

29 de outubro de 2009

A passagem pela Bolívia foi bem mais rápida do que eu gostaria. Assim fiz para ter tempo de passar pela Argentina e Paraguai, pela vontade de conhecer a Jujuy de Laura, Salta e Assunción.
Em Copacabana, fiquei três noites e dois dias. Apesar de ser Bolívia, Copacabana é mais cara que Puno, uma decepção por ser muito turística. Brasileiros por todos os lados. No primeiro dia fui à fronteira caminhando para selar o passaporte. Quase tive problemas por passar a noite no país sem selar o passaporte. O fiscal me perguntou pela mochila, e me disse que o que eu fiz era ilegal. Quando perguntou porque eu cheguei tão tarde (já eram 14h), e eu disse que porque vinha caminhando, acho que ele ainda ficou com pena e meu deu um mês de visto. Voltei. 16km de ida e volta que eu fiz caminhando, com toda a calma, das 11h às 17:30h, de roupa desabrigada e sem protetor solar, debaixo de um sol que parecia não queimar por causa do vento fresco. Resultado: ensolação à noite.
No outro dia fui à Ilha do Sol, dita berço da civilização andina, com polêmicas ruínas que alguns dizem não ter mais que 10 anos. Mais 7km caminhando debaixo do mesmo sol. Nesse dia estive com um casal, uma brasileira e um português que iam passar a noite na Ilha e tomar San Pedro. O San Pedro, que me aparece desde a Venezuela com Ernesto, e que eu acabei por não tomar, mais uma vez.
A ilha é uma maravilha natural. Depressivo é como eles cobram pedágio de uma parte à outra, como as crianças imploram por balas e cobram quando se tira uma foto delas. O povo que tem a cultura de compartilhar e ajudar transformado pelas circunstâncias em exploradores. Me lembro de uma conversa na casa de Lizandro em que seu amigo, já exaltado depois de várias doses de rum com coca, me explicava que na cultura aymara a palavra compartilhar não existe, porque é óbvia, e não se nomeia o que não se pode dar conta que existe, pois não há outra maneira de fazer as coisas.
Na saída, encontrei um simpático senhor que se sentou ao meu lado numa sombra. Já não muito lúcido, me contava que havia vivido aí todos os seus 74 anos, e que era agricultor. Depois um guia da ilha explicou que ele tinha entre 82 e 84, e que havia sido escravo dos espanhóis, que dominaram a ilha até meados da década de 50.
Febre e gripe à noite. Essa noite apreciei, sozinha, o espetáculo dos raios atrás do lago Titicaca, e a lua crescente fininha completava a paisagem.
No dia seguinte, às 10h fui para La Paz. Na parte alta das montanhas que circundavam o lago, nevava. Os tetos e as plantações branquinhas. Para não voltar ao Peru para chegar a La Paz, o ônibus tem que atravessar o lago, e o faz por uma passagem mais estreita, em balsa, enquanto os passageiros cruzam de lancha.
Cheguei às 14h, mais ou menos, e tomei um táxi até o centro. O hotel mais barato que encontrei valia 25 bolivianos, não era tão barato. Aí, saindo e perguntando por informações, um senhor disse que me levaria a um restaurante. Terminou por me acompanhar o dia todo, e não me deixou pagar nada, desde o almoço até o arame e o alicate para fazer artesanato. À noite, claro, me bateu à porta com a desculpa de me chamar para que eu fosse ver algo, mas visivelmente mal e com febre, eu pude recusar sem deixá-lo muito chateado.
No dia seguinte, saí com a intenção de ir de carona a Potosi ou a Sucre, como o destino quizesse. Mas quis que eu ficasse. Havia uma greve de motoristas, e as empresas todas pararam, desde as urbanas às de linha. À noite, a partir das 18h, voltariam a sair. Pesquisando preços, o que sairia mais barato seria Potosi. 25 bolivianos e passar a noite no ônibus; economia de hotel. Passei o dia praticando os pontos que havia aprendido em arame, a gripe incomodando muito e às 19:30h, pontualmente, o que há muito não acontecia, saí para Potosi num ônibus leito novo.
Às 5:30h, também pontualmente, estávamos em Potosi. Cinco mil metros. Pela manhã pedi ao motorista que me deixasse ficar um pouco no ônibus, eu tinha sono e estava bem frio.
Às 7:30h saí para caminhar, e mais ou menos às 8:30h, quando parei para tomar café da manhã, senti alguma dificuldade para respirar a senhora que me atendia me contou a que altura estávamos, e disse que o que eu sentia era comum.
De aí tomei um ônibus para a mina. Chegando, um mineiro que, em seu tempo livre, trabalhava como guia, se ofereceu para levar-me à mina por 35 bolivianos. Depois de pensar muito, e da rebaixa a 20 bolivianos, decidi que valia a pena.
De Potosi sai a grande maioria da prata que é escoada pelo Rio da Prata na Argentina desde os tempos coloniais. E até hoje estão ativas. Em algumas, com as mesmas ferramentas rudimentares de 500 anos atrás. Os mineradores tiram prata e zinco. Ele me levou dentro da mina, com capacete e lanterna, até onde há um diabo de barro, que chamam tio Jorge, o nome do espanhol que ameaçava com o mesmo boneco os índios que não queriam trabalhar em péssimas condições nas minas, dizendo que se não trabalhassem, o diabo os comeria.
Dizem que tio Jorge tem relações com a Paccha Mama, e assim nascem os minerais. Por isso não podem entrar mulheres nas minas, porque a Paccha Mama tem ciúmes e não produz os minerais. Depois me explicou que, na verdade, não se permitia a entrada das mulheres para que não vissem e contassem à comunidade os maus tratos que sofriam seus maridos nas minas. Durante seis meses sem sair, debaixo da terra, ao sair eram cegados pela luz do sol.
Saí de Potosi no mesmo dia. Consegui chegar à saída de ônibus, e de aí, por 5 bolivianos, me levaram a um cruzamento que me levaria a Villazón, fronteira mais próxima a Jujuy. Eu não entendia porque a grande maioria ia para Argentina pela outra fronteira, já que era mais longe. Depois do cruzamento entendi: era um cerrado na época seca, sem povoados grandes e todo em leito natural. Do cruzamento, um caminhão me levou a Bitichi. Aí, uma menina de uns quinze anos com um bebê nos braços competia comigo pela carona.
Parou um caminhão e nos levou atrás. Aí já estavam uma senhora e dois meninos. Desceram os meninos e paramos para carregar lenha. Me dei conta que cobravam o transporte.
Enquanto carregavam o caminhão, fiquei conversando com ele, e me contou que havia trabalhado em São Paulo para poupar algo. Sua filhinha de 3 anos é brasileira. Voltou e comprou um camihão, começou a trabalhar com transporte de carga. Saímos e chegamos a Tapiza.
Havia uma senhora conosco que não falava quase nada em espanhol, e eu fazia um enorme esforço para entender e conectar as poucas palavras que entendia. Estava ao meu lado, e às vezes me dizia algo, sorria e me dava três tapinhas na perna. Eu dizia que não entedia e sorria também, ela ria outra vez e me abraçava. Quando carregamos a lenha, subiu outro senhor para viajar atrás conosco. Ele me falou muito bem de Morales, das melhoras que trouxe para os camponeses e que, para as próximas eleições, Morales outra vez. A senhora desceu em Tapiza.
Essa noite foi a melhor dentro de alguns dias. O senhor me emprestou um cobertor e eu dormi na carroceria, sobre o colchão de R$10,00 das Casas Americana e com a rede, olhando pro céu só iluminado pela lua, vendo os meteoritos.
Partimos às 5h para Villazón. Às 7h chegamos. Ajudei a descarregar a lenha, dei um brinco e uma pulseirinha para a esposa e a filha do motorista, e ele se despediu dizendo que ia rezar por mim, que eu não passaria necessidade porque não tinha medo de trabalhar e sem me cobrar nada.
Tomei um suco de cenoura e cruzei a cidade a pé. Havia uma ponte, que uma senhora me indicou um atalho para cruzar, dizendo que a fronteira estava do outro lado. Cruzei, comprei frutas e me cobraram em pesos. Não entendi, mas segui. Um pouco mais à frente pedi informação a um policial e ele me contou que a imigração estava na ponte que eu havia deixado para trás. Voltei com a mesma mochila de 15 kg, debaixo do sol de quase 40ºC. Na fronteira, vi carregadores com sacos enormes nas costas, de comida e cimento, homens e mulheres, crianças e velhos, e percebi que o que eu fazia não era nada. Contei ao fiscal da Argentina que eu havia passado pelo lugar errado, e ele me permitiu voltar à Bolívia . Saída e entrada selados, 3 meses de visto. Ainda tive que deixar a mochila no banheiro da Argentina e voltar à Bolívia pra fazer câmbio. Fiscalização dura. Pela primeira vez me revistaram a mochila. Segui pedindo carona.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Peru






11 de outubro de 2009

Já estou no Peru há quase um mês. Fiquei poucos dias em cada lugar, passei por muitos, e, de qualquer jeito, ainda falta muito pra conhecer. E o país que mais me deu a impressão de que tenho muito pouco tempo.
Chegamos em Mâncora, eu e Andrés, no mesmo dia em que cruzamos a fronteira. Nesse dia conseguimos carona até a fronteira, e quando terminamos de selar os passaportes já eram quase 9h. Pegamos dois ônibus até Mâncora, chegamos à meia-noite e acampamos. No dia seguinte, fomos para um lugar chamado "Cuartos Rústicos", que era uma construção toda de bambú, com vários quartinhos de chão de terra. Eu convidei Andrés a Chachapoyas comigo, porque até então estávamos nos dando bem, e ele aceitou sem contestar.
Daí seguimos para Chacha de carona, e no mesmo dia avançamos perto de 700km, com muita sorte, e chegamos perto de Pedro Ruiz, 50Km de Chacha. Era mais de meia-noite e íamos nos acomodar numa calçada. Chovia. Um rapaz meio bêbado nos levou para dormir no apartamento de sua irmã, aí ao lado. Não me esqueço: nos acomodamos no quarto dele enquanto ele pressionava seu companheiro para definir sua relação com a irmã. O rapaz tremia, nervoso, mas acabou tudo bem.
Era um domingo quando chegamos a Chacha, e conseguimos um hotel barato de 5 soles cada. Saímos para vender artesanato e eu vendi bem, 23 soles.
No outro dia nos preparamos para a caminhada na região que eu tanto queria, e ainda vendi algo mais. Tínhamos um cobertor emprestado, plástico para a chuva, comida e filme para fotos.
Às 7:30h já estávamos na estrada, pedindo carona e deixando o destino decidir por qual lado começaríamos. Conseguimos uma carona até "El Tingo", povoado abaixo de Kuelap. À 11h, mais ou menos, começamos a subir a montanha. Passei mal porque a pressão baixou, não havíamos tomado café. Cinco horas e meia, com 10kg de mochila nas costas, subindo de 1.800 a 3.000m.
Chegamos, no final da tarde, a meia hora de Kuelap, e depois de ter a primeira discussão séria, paramos numa chácara. Várias crianças pelo caminho nos ofereciam hospedagem e comida, e a cada uma delas Andrés dizia que talvez voltaria. Eu me irritei, e disse para que ele não as desse falsas esperanças, pois era ilógico retrocedermos em uma montanha se mais à frente haviam tantas hospedagens. A amável senhora nos cozinhou uma sopa e permitiu-nos acampar. Nessa noite tive muita febre, pelo cansaço, dor no tendão do braço e passamos muito frio. Andrés ainda dromiu um pouco porque tinha seu isolante térmico, mas eu não dormi nada.
No segundo dia visitamos Kuelap, 7 soles a entrada. Uns limenhos que eu conheci dando a mão para atravessar uma parte muito enlameada nos levaram até Choktamal. Aí, depois de muito procurarmos, outra amável senhora nos cozinhou e nos arranjou na escola uma cama para dormirmos.
Tomamos café e seguimos caminhando duas horas, quando um caminhão nos ofereceu carona. Aceitamos, estava chovendo e fazia frio. Foi aí que cometemos o erro fatal para os planos: tínhamos que descer em Yumal, o ponto mais alto em que subiríamos, mas não se via uma alma viva, a neblina era muito densa e já passava de meio-dia. Descidimos continuar até o próximo povoado com o caminhão: Chaski. O caminhoneiro disse que daí haveria trilha para Congón, onde deveríamos chegar. Congón já ficava no Valle Belén, portanto a idéia era, agora, descer a montanha e, desde Congón até Luya os caminho seriam planos porque percorriam o vale.
Chaski, assim como Yumal antes, não era um povoado, era um posto provisório de trocas entre a zona rural e a capital. Depois descobrimos que Yumal havia sido transferida para lá. Com a neblina não vimos nada, mas Yumal era, agora, só algumas ruínas e um amontoado de lixo. Não poderíamos ter parado lá.
Passamos a tarde chuvosa e a noite em Chaski, onde Janeth, dona de um dos barracões de mercadorias, nos recebeu carinhosamente, emprestou um quarto com uma cama confortável e quente, cozinhou e não quis receber nada.
Ela estava grávida de cinco meses, e mesmo assim passava dias na venda do pai, sozinha, subia um morro escorregadio com um balde de lavagem para alimentar os porcos e carregava toda a água que necessitava por uns 300m, além de fazer todos os serviços domésticos.Nos deu café e chocolate que ela mesma torrava e moía.
Daí seguimos, com a inteção de chegar a Congón. Foi quando começou o caminho de ferradura, onde era impossível passar de carro. A chuva o deixou terrivelmente escorregadio, e com degrais de lama marcados pelas mulas. Uma delas me atropelou, e eu, para não cair, meti os dois pés numa poça, e desde aí não teria mais tênis e calça secos.
Depois de 4h caminhando em péssimas condições, encontramos umas pessoas que nos apontaram o caminho para Congón por uma outra trilha de 3h, em condições piores ainda. Às vezes chovia, e tínhamos que nos cobrir com o plástico, o que tornava mais difícil manter o equilíbrio. Decidimos dormir no próximo povoado, mais ou menos 2h dali.
Antes do povoado, chegamos à casa de dona Genoveva, que nos ofereceu descanso num banquinho e mote (uma espécie de milho cozido). Dona Genoveva, apesar de, aparentemente, ter mais de 60 anos, tinha um filho de 13 chamado Juan. Juan foi nosso guia, e nos levou à ruínas na mata fechada, em que ele abria caminho com um facão. A primeira delas era um canal de pedras para colher água, a segunda, imagino eu, pelo tamanho, um armazém e a terceira, casas. D. Genoveva nos contou que acharam vários copos e jarros, mas haviam sido levaods por alguém.
Mais tarde jantamos ervilhas com arroz, e improvisaram para nós um colchão de sacos de palha e muitos cobertores. Fazia muito frio. Era o terceiro dia que dormíamos com pulgas, mas, inexplicavelmente, elas não me picavam. Já Andrés sempre acordava se coçando desesperadamente.
No dia seguinte, o meu companheiro continuava animado para ir a Congón. Depois de ouvir dos nativos que o caminho estava muito fechado, e que eles há muito não se animavam a ir, eu já havia desanimado. Todavia tentamos.
Uma hora e meia mais de caminhada até onde o caminho se dividia, e de aí, condições piores. Eu já não tinha muito com o que me preocupar, estava enlameada até o joelho, e seguia não me importando muito em pisar nas poças. Andrés caiu daus vezes. Chegamos a uma casa abandonada, onde pastavam muitas vacas e aguns cavalos, que nos seguiram por alguns minutos. Ao lado havia uma mina, e o caminho se tornava mais fechado, parecia recém aberto e só havia uma pegada. A neblina não deixava enxergar mais de 10m à frente. Fizemos o óbvio e prudente: desistimos da rota do mapa e decidimos voltar a Chacha.
Passamos outra vez por D. Genoveva, e chegamos a Alto Peru, 20 min mais. Aí um simpático senhor nos guiou a San Juan, nos levando por caminhos que nunca encontraríamos sozinhos.
Era sábado em San Juan, e os homens se reuniam na casa do líder comunitário e contavam histórias enquanto tomavam "caña" e uma mescla de cal e coca, que eles colocavam dentro de uma cabaça, e, nela, molhavam e chupavam um arame.
Conversando, descobrimos que um deles estava transportando mercadorias a Chaski. Voltamos a Janeth. Passamos a noite aí e esperamos um dia inteiro por uma carona rumo a Chacha, que terminou sendo a mesma que nos levou a Chaski.
Ele estava um pouco bêbado, e obrigou Andrés a ir atrás com o café enquanto tentava me convencer de que eu deveria estar viajando com um rapaz que tivesse dinheiro. Foi engraçado. Quando terminamos de subir a montanha, o sol estava se pondo e com seus últimos raios iluminava o Valle Belén e seu rio espetacularmente sinuoso, a que deveríamos ter chegado.
O motorista nos levou até o cruzamento para Chacha. Aí chegamos à noite, e não havia povoado por perto. Só o que havia era uma casinha vazia, onde, de dia, os policiais faziam a guarda. Passamos a noite. Pulgas e frio. Acordamos e saímos para pedir carona. Logo voltamos ao mesmo hostal onde estávamos. Recolhemos as coisas que havíamos deixado e passamos à noite. Foi nesse dia, depois de todas as coisas difíceis que passamos, que nos demos conta de que a nossa relação ia de mal a pior. Ficamos o dia todo separados, depois de ficar cinco dias juntos o tempo todo, perdidos pela selva. À noite, não falamos mais que o necesário.
No outro dia, carona até Cajamarca. Me lembro bem do povoado de Balsas, um vale de clima tropical, produtor de manga, mamão e limão. Vontade de ficar. Em Cajamarca chegamos às 4h da manhã, e passamos o resto da noite no caminhão que nos levou. Às 6h acordamos, cruzamos a cidade caminhando e começamos a pedir carona para Trujillo. Me lembro que paramos em frente a uma cooperativa, e nos deram duas garrafas de água e dois pedaços de bolo. Foram nos levando de pouco em pouco, a estrada estava sendo refeita e, por isso, um pouco de confusão. Chegamos a Salitre, e de aí um caminhão com problemas mecânicos, muito lento, nos levou até Trujillo. Passamos por uma represa, uma imensidão azul circundada de montanhas áridas e avermelhadas, chamada "Gallito Ciego".
A Trujillo chegamos mais ou menos 17:30h. Tentamos mais um pouco, mas nada. Foi então que meu cartão foi bloqueado, quando tentava comprar comida numa conveniência. A moça pensou que a senha que a máquina pedia fosse o número do cartão, digitou errado mais de três vezes e bloqueou. Quando fui reclamar, ela disse que não sabia, e o dono, ao lado, disse que só ficaria bloqueado 24h. Passamos a noite na cidade, primeiro na estação rodoviária, depois no carro de um taxista que se compadeceu. Seguimos viagem a Lima. Não me lembro em que povoado descemos, pois eu estava dormindo, mas deste povoado pegamos carona num caminhão que carregava frutas podres, e tivemos que ir sobre as frutas, em uma esteira. Até hoje não consigo definir que fruta era, mas o cheiro era insuportável. Andrés se acomodou e dormiu, mas eu fiquei terrivelmente enjoada. Quano o motorista parou para almoçar, eu disse a ele que ia tentar outra carona, e me despedi. Na situação em que estávamos, achei que ele não se importaria em não estar comigo, mas ele resolveu me acompanhar, e antes que o motorista voltasse do seu almoço, já estávamos em outro caminhão, nos apertando entre quatro pessoas na cabine e mais uma na cama.
Chegamos a Lima à noite, mas Andrés já conhecia a capital e sabia o endereço e um hotel de 10 soles, bem no centro. Me lembro do prazer que foi dormir numa cama com cobertores e sem pulgas nesta noite.
Fiquei quatro dias. Fui a "la cachina", que é como um camelódromo, esperando encontrar roupas baratas para Puno, mas não encontrei nada. Daniel me acompanhou nas caminhadas. Era outro Daniel. Perdido, atravessava as ruas do centro da metrópole sem olhar, não conseguia se concentrar nos nossos diálogos. Antes éramos capazes de conversar por horas sem que o assunto desse sinal de acabar. Apressado, correndo os caminhos, tinha um olhar sem brilho e reclamava muito da vida para que voltara. Distante de mim. Já não era viajante, não conseguia entender certas coisas que, me parece, só quem está fora de casa, de sua pátria, entende.
Ele me fez pensar em quem serei quando voltar, o que conservarei da vida que levo agora, e a que vou me acostumar de volta. Me fez enxergar o absurdo que é olhar certas coisas de fora, rir-se delas, achá-las ridículas, e depois, voltar e deixar-se sucumbir a elas. Para mim, em Lima, Daniel é outro de quem eu já não gosto tanto, e nem ele mesmo gosta.
E tudo o que fui buscar em Lima, não encontrei, mas a cidade é bonita. Nem "la cachina", nem Daniel, nem a solução dos problemas com o cartão, nem as pedras baratas. Talvez o único fato que tenha feito isso tudo valer a pena foi que, depois de quase inimigos, nos últimos dois dias, eu e Andrés conseguimos recuperar um pouco da amizade que tínhamos antes, e, confesso, depois cheguei a sentir falta dele.
Saí da cidade e fui pedir carona. Atravessei o deserto que se tornou fértil através da irrigação e produzia aspargo, alcachofra, cebola e batata.
Deixei Ica e seu oásis para trás. Cheguei a Nasca, onde Andrés tinha me indicado um amigo que hospedava mochileiros. Cidade pequena, foi fácil encontrá-lo. Depois descobri que ele estava no Couch Surfing, e foi a primeira vez que a situação foi invertida assim. Ia só passar a noite, já que hava chegado às 17:30h, mas Rubem era tão receptivo, e começou a fazer planos de piscina para o dia seguinte... eu precisava lavar roupa, e havia morango e abacaxi tão baratos que fiquei mais um dia. Não sobrevoei as linhas de Nasca, o passeio valia US$40,00.
Daí a Cusco, numa mesma viagem com dois amigos de Lima "muy buena onda". Foi a primeira vez que vi neve. E a paisagem linda, as pampas povoadas de pastores e lhamas. As vicunhas são do Estado, e é proibido caçá-las ou criá-las cercadas. Fomos contando histórias de terror e nos matando de rir. Paramos pra dormir no caminhão mesmo, lá pelas 2h da manhã, e de manhãzinha fomos até Cusco, que estava a uma hora dali. Não me deixaram pagar nada desde o almoço do dia anterior, e no café da manhã nos despedimos. Fui procurar o CS, e fiquei 2 noites aí, pois me aconselharam a ficar um dia pra me acostumar com a altura antes de fazer a caminhada a Machupicchu. Os mesmos problemas com o CS...
Tomei um ônibus a Santa Rosa pra fazer o caminho alternativo a Machu, e logo vi que poderia pedir carona, pois o vale sagrado é muito fértil e tem muito movimento. Corre água verde esmeralda por entre as pedras no rio Urubamba. É lindo, cheio de pomares e descobri, conversando com um agricultor da região, que nas encostas produzem Cannabis Sativa. Plantava só pra consumo local, me dizia o senhor com toda a naturalidade. Que era proibido, mas valia mais que todas as frutas, e que não fazia mal.
Daí tomei um táxi a Santa Teresa e outro à hidrelétrica, que fica a 2h caminhando de Águas Calientes pela linha do trem, que custa US$35,00 para estrangeiros. Até Santa Rosa eu estava sozinha, mas no táxi encontrei uma mãe que ia a Aguas Calientes em busca da filha que havia sido mordida por um cachorro. Na hidrelétrica, mais três brasileiros que tentavam, sem conseguir, se comunicar comigo e a peruana em inglês e espanhol. Um desastre. Rimos muito quando descobrimos. Chegamos aí mais ou menos 18:30h, e já havia muito pouca luz. O caminho é todo plano, mas de pedras grandes, o que dificulta um pouco. Com a lanterna (que os brasileiros não tinham, mas eu havia sido advertida antes), tudo bem. Chegamos a Aguas Calientes mais ou menos 8h da noite, e aí com os brasileiros, como éramos quatro, conseguimos dois quartos por 10 soles cada um. Para Aguas Calientes, ao pé de Machupicchu, absurdamente barato. Não era temporada, e tivemos muita sorte com o tempo limpo.
Eles não toparam subir a Machu caminhando, preferiram pegar o ônibus de US$10,00. Eu acordei às 3:30h da manhã, comi uma barra de cereal e tomei um iogurte. Levava para o dia todo uma garrafa de água (que eu trago até hoje e recarrego em torneiras) e um pacote de "Piqueo Mix", uma mistura de vários tipos de chips, bem salgada e picante. A comida sim, era extremamente cara, e foi o que eu achei prudente comprar como mínimo.
De Aguas Calientes a Machu, 1:30h de subida de montanha, que eu fiz com toda calma, aproveitando cada canto de pássaro, cada flor, cada folha... Não encontrei o caminho pelo qual se entra sem pagar, e, chegando à portaria, levei uma hora pra convencer o administrador a me deixar entrar como estudante sem a carteira internacional. Fui direto tentar subir a Waynapicchu, a montanha q aparece atrás de Machu na foto clássica, pois só podem entrar as primeiras 400 pesoas, até meio-dia. Antes de começar a subida mais íngreme, vi uma placa que indicava "Grande Caverna" e pensei que tinha muito tempo e nada a perder. Desci a montanha por 1h, comecei a escutar o rio de onde havia partido cada vez mais perto, e nada. Pensando que talvez não conseguisse chegar ao topo depois de tanto andar, sozinha e sem ninguém pra pedir informação, desisti e comecei a voltar. Encontrei um casal descendo que me perguntou se faltava muito. Eu lhes expiquei e eles continuaram descendo, e eu subindo. 1:30h mais de subida para chegar ao começo da subida íngreme para o topo. Já estava bem cansada. 1h mais de escadas íngremes para chegar até o topo de Wayna. Cheguei morta, mas nada que a vista espetacular não merecesse. De lá se vê toda Machupicchu. É a vista panorâmica que mostra como a cidade foi construiída estratégicamente para ter difícil acesso. O rio circunda quase toda a montanha, e atrás, por onde não passa, estão montanhas altas e ígremes de pedra, quase impossíveis de serem atravessadas. Também se via daí o caminho para entrar sem pagar.
Aí em cima escutei um sotaque nordestino enquanto comia o salgadinho. Cumprimentei. Aline, bahiana, Fábio e Leonardo, irmãos paulistas que moravam em Minas. Tiravam milhões de fotos, e me salvaram com algumas. Eu estava com a câmera descartável que havia comprado em Cusco, mas 27 poses são nada pra Machupicchu e Waynapicchu. Fizemos o resto do passeio juntos. Toda Machupicchu e a trilha para a "Puente del Inca", que foi construída como meio de atravessar as montanhas "quase" impossíveis e comunicar-se com as outras comunidades. Leo trabalha com turismo, desenvolvimento sustentável, e Aline havia lido muito sobre o local. Eu não tive tempo de buscar muita informação, e foi muita sorte tê-los comigo porque me explicavam tudo. Terminamos a trilha mais ou menos 16:30h, e daí eu segui a pé para Aguas Calientes, montanha abaixo. Me separei dos brasileiros que voltavam a Cusco de trem. Mais 1h caminhando. Nesse dia, ao todo, foram 13h caminhando. Cheguei com as pernas tremendo, e tinha a cabeça e o ombro muito queimados, mas me sentia ótima apesar do cansaço.
Fazer tudo caminhando tinha um outro significado pra mim além do menor preço. Chegar lá pelo meu próprio esforço era uma forma de merecer e desfrutar toda a magia da montanha, que o excesso de turismo e de facilidades encobre muito. Acho que consegui. Me sentia mais calma quando desci, como se fosse capaz de ver todas a minha vida de fora, do alto, como em Waynapicchu, e tomar decisões mais acertadas.
Nessa noite, perguntei ao rapaz que cuidava do hotel onde havia um mercado para comprar algumas frutas e coisas baratas. Antes de me indicar, ele me fez prometer que aceitaria seu convite para jantar, porque a ele não parecia justo caminhar tanto e não ter um jantar digno. Jantamos "truta ao alho", e tivemos uma agradável conversa sobre sua vida de professor na selva, as dificuldades de ensinar os dois idiomas e o que lhe ofereciam os narcotraficantes para que jogasse futebol em seus times.
No dia seguinte, assim que o sol nasceu, voltei pela linha de trem. Sozinha, e no silêncio quebrado somente pelo trem que passou uma vez e pelos raros turistas com quem cruzava. Via os animais comendo e desfrutava do ruído do rio por 2h, até a hidrelétrica, e como não sentia nada de cansaço, continuei. Um pouco depois da hidrelétrica, encontrei uma senhora que caminhava em direção à sua chácara. Vestida tipicamente, mal falava espanhol. Me apontava algumas coisas e me ensinava os nomes em quechua, sempre sorrindo muito. Ajudei-a a colher um pouco de uma gramínea para seus animais e ela me agradeceu exageradamente. Pelo caminho havia um gambá, e quando o viu ela me apontou num tom exaltado: "Caca, hay que chancar!!!". Achou duas pedras enormes e atirou com toda a força no gambá até que ele não pudesse mais se lavantar. Durante a cena, eu um pouco afastada não querendo ver, passou por nós uma Kombi, cheia de passageiros que se viraram para olhar. A senhora terminou e veio até mim sorrindo, e disse: "Huele feo!".
Continuamos, já em terreno seu e ela me deu banana e café. Chegando, me fez sentar num banco para descansar, me disse "Hasta luego" e se foi. Continuei caminhando. O sol estava começando a ficar muito quente, e minha cabeça ardia pelo dia anterior. A Kombi que havia passado voltava, e pedi que me levassem até Santa Tereza.
No caminho, o motorista e o cobrador recordavam pasmados a "brutalidade" com que a senhora havia matado o gambá. Quando me dei conta de qual era o assunto, me disseram: " Você devia ter salvo o bicho!" e a única resposta que eu encontrei naquele momento foi " Quem sou eu para salvar o bicho se ele come os pintinhos da sra?". Se calaram. Se não fossem algumas aulas da Lúcia eu me sentiria culpada por não fazer algo para salvar o bicho quando me disseram que eu devia, e não teria identficado o choque entre essas duas ou três gerações e entre a vida no campo e no povoado.
De Santa Teresa consegui uma carona até Cusco. Em Cusco, almocei e segui viagem. Nesse dia passei pelo povoado onde nasceu Tupac Amaru, famoso revolúcionário. Claro que eu não sabia, o caminhoneiro foi quem me avisou. Consegui chegar até Sicuani, já eram mais de 21h. Esse dia foi outro bem particular: eu tinha que caminhar uns 20 min até o centro, e no meu caminho quatro policiais que faziam a ronda noturna numa viatura me viram com a mochila e pararam para me oeferecer carona. Pedi que me levassem ao hotel mais barato, e eles me acompanharam, os quatro, em três ou quatro hotéis. Eles perguntavam os preços, pechinchavam e ainda pediam para ver os quartos. Eu morria de rir. Até que encontramos um de 8 soles. Eles me deixaram na porta do quarto, depois de me dar o número deles para qualquer emergência. O que tornava tudo mais cômico é que era um povoado, e as pessoas caminhavam tranquilamente pelas ruas. O mais estranho ainda estava por vir: eram umas 23h, eu já tinha pegado no sono e ouvi alguém batendo na porta. Tentei continuar dormindo, mas ele insistiu. Eu disse que estava dormindo, e ele respondeu que queria conversar. Não lembro como começou o papo, mas lembro que ele queria entrar e eu fui bem grossa, dizendo que queria voltar a descansar. No dia seguinte alguém me alertou que existem algum rapazes que oferecem companhia às "gringas" pedindo-lhes pagamento.
No dia seguinte, cruzei o povoado para pedir carona. À margem do rio as senhoras lavavam roupa e cuidavam de suas ovelhas. Consegui ir até Juliaca direto e de aí a Puno. Liguei pro CS. Um dos mais divertidos. Sua mãe havia falecido, e desde então ele tentava preencher o vazio da casa e da vida oferecendo hospedagem para mochileiros. Aí fiquei quatro dias, para variar mais do que o planejado. Puno já está às margens do lago. É barata, e tem clima muito quente de dia, mas lá pelas 17h da tarde começa a ventar e fica frio à noite. Por fim vi, num final de tarde, os flamingos que dão cor à bandeira peruana de San Martín.
Em Puno recebi o dinheiro que pedi emprestado à "mamãe", porque nunca consegui desbloquear o cartão de crédito, mesmo depois de gastar uns 40 soles em ligações para o Brasil. Comprei os presentes justos, um tênis (o outro já estava tão rasgado que era quase uma sandália) e algumas roupas usadas, numa feira enorme de roupas gringas que vêm como doação, "la cachina". Todos os dias tomávamos pisco ou rum ,e no último, saí com Lizandro (o CS) e mais três amigos dele para dançar. Noite de "desahogo". Eu já havia esquecido como era isso. Conheci um grupo de músicos colombianos que estão viajando com a banda há dois anos. Seu sotaque "duro e golpeado" me trouxe boas lembranças. Tive saudade. Guillermo nasceu nas ilhas de San Andres, paraíso que é motivo de briga entre Colômbia e Nicarágua. Oficialmente pertence à Colômbia, mas está bem mais perto da Nicarágua. Ele prometeu que vão passar no Brasil, e ainda trocamos raros emails.
No dia seguinte, já um pouco tarde, tentei carona a Copacabana. Difícil. Cheguei a Ilave lá pelas 16h, e não tinha mais dinheiro em soles para pagar ônibus, nem tinha almoçado. Fiquei uns 40 min. pedindo carona, e nada. Uma senhora que estava nos arredores cuidando da plantação às margens do rio veio me dizer que ali os ônibus não paravam, que eu devia ir à parada. Eu lhe expliquei a situação e disse que logo alguém pararia. Ela foi até sua casa e voltou com 20 soles, que eu não queria aceitar, mas não houve como convencê-la. Então fui de ônibus até um povoado próximo à fronteira, e de aí tomei um táxi. A fronteira peruana já estava fechada, pois a diferença de fuso fazia com que o posto da fronteira do Peru fechasse 1h depois do da Bolívia. Me disseram, no posto de Peru, para dormir em Copacabana e voltar no dia seguinte para selar o passaporte. Assim fiz.

Equador - Impressões





É o país mais tranquilo que visitei. Os policiais não são tão corruptos, as estradas estão boas, as pessoas são amáveis e tímidas. Foi a primeira mudança brusca de comportamento que identifiquei.
É barato, pude poupar algo. Usam o dólar, mas há algumas moedas equatorianas. Antes usavam o sucre, mas como esta moeda tinha um valor muito baixo, implantaram o dólar e agora lutam para ter sua própria moeda outra vez.
Rafael Correa, como Chavez, está em todos os muros e postes, em pose de galã. Presidente populista. O povo, em geral, está contente e o defende das acusações feitas na Colômbia. Falam sobre melhorias na agricultura, concessão de crédito e do crescimento geral da economia.
Têm o costume, pelo menos na costa de dizer "Mande?!" quando não entendem algo que foi dito, e de pedir as coisas num tom em que mais parecem estar rogando.
Equador é grande exportador de banana, o que faz com que sejam chamados pelos argentinos e peruanos de "macacos".
Eu terminei por ficar muito tempo em Montañita, aproveitando o fato de a economia ser dolarizada para trabalhar e guardar diheiro para os outros países. Deu certo, mas a parte negativa é que conheci muito pouco o Equador, mesmo sendo país tão pequeno. Eu poderia ter parado na serra, antes de Quito, de onde eram os antepassados de Ernesto. Mas antes de Quito eu não tinha quase nada de dinheiro, e depois de Montañita já ficava um pouco longe, e o tempo apertava. Também deixei pra trás Baños, Macas e Cuenca, serra e selva.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Equador






15 de setembro de 2009

Cheguei ao Equador com boas expectativas. Da fronteira, fui de carona até Quito, meio sem querer. Eu ia parar em Otavala, e dormir por aí, para seguir viagem no outro dia. Mas a uma hora de Otavala, quando pedia carona depois de um povoado, mais de 5h da tarde, já quase mudando os planos e dormindo numa fazenda por aí, parou uma família num carro vermelho.Uma senhora me assenava com um expressivo sorriso, fazendo sinal para que eu entrasse, o motorista acordava a pequena que dormia atrás para me dar espaço. Mochila guardada no porta-malas, seguimos viagem. Já me haviam visto pedindo carona em Ipiales, útima cidade da Colômbia, mas estavam fazendo compras. Me pergutaram a história, e a senhora emitia ruídos de surpresa e diversão a cada ponto final. Descobri que iam passar por Quito, e como tinha pouco dinheiro, achei melhor parar aí direto, até porque supostamente teria lugar para ficar.
Incrivelmente simpáticos, me levaram para conhecer o lago de Otavala, compraram comida, e Paola, a pequena, foi brincando comigo até Quito. Eram: a mãe, que havia ido a Colômbia comprar linha para sua fábrica de vetidos, Beto, 28 anos, que dirigia, e Paola, a irmãzinha de 9 anos. Me convidaram à sua casa em Baños.
Antes deles já havia percebido que as pessoas do Equador tinham alguma simpatia por mochileiros. Saindo de um povoado, eu caminhava alguns metros para estar melhor localizada para pedir carona e, antes que eu levantasse o dedo, um carro parou e ofereceu. Era a primeira vez que isso acontecia. Neste dia, cruzei a serra, os mesmos rios lindos que formavam vales entre as montanhas, e, às 10 da noite, estava em Quito.
Aí tinha um contato do CS que me havia dito sim. Foi rápido, eu não tinha a menor idéia de quem era, só tinha um endereço no centro histórico. Liguei, tomei um táxi e toquei uma campainha na parte alta do centro. Me atendeu uma francesa, que me levou ao terceiro andar, me apresenotou a amiga (que era a CS) e me entregou uma chave. Assisti com elas uma parte de "Lolita" e dormimos.
No dia seguinte eu fui a um povoado turístico por onde passa a linha do Equador chamado "Mitad del Mundo", a 1h de Quito. Nada demais, uma bela vista e explicações sobre os muitos povos do Equador. Percebi que a riqueza cultural do país era muito maior do que eu imaginava.
Neste dia se foi uma das francesas, e chegou outro. Saímos para tomar canelaço (quase um quentão a que adicionam frutas) e comer milho. Descobri que Ali era assitente social, e dava assistência jurídica a refugiados colombianos. Andava de país em país na América Latina trabalhando em sua área.
Quando cheguei em Quito, senti muita falta da câmera. Os descendentes dos índios da serra com suas roupas típicas, longas tranças, as crianças com as bochechas rosadas pelo frio... Me lembrava de Ernesto, das histórias lindas que me contava e das montanhas de Mérida.
Depois de dois dias em Quito, arranquei para Montañita, costa. Pelo erro de colocar um "s" a mais no nome, o google earth me mostrava o povoado em Guayaquil. Por esse erro tão pequeno e estúpido, tomei um caminho mais longo e deixei de conhecer Baños e a parte norte da costa.
Saí de Quito já de carona, com um entregador de remédios, e por Santo Domingo, outra família parou. Fui numa caminhonete, atrás. Quando pararam no posto, me passaram para a frente. Um casal e dois filhos. Ela vivia em Quito, com os filhos, e ele em Quevedo, onde iam juntos passar as férias. Terminaram por me convidar à casa e a jantar, e para completar ele tinha uma empresa de caminhões e me conseguiu uma carona até Guayaquil, onde cheguei de manhãzinha. Daí tomei um táxi até a rodoviária e um ônibus a Santa Helena, que um senhor que me deu carona insistiu em pagar. Guayaquil é cidade grande, eu não poderia atravessá-la caminhando.
Até Santa Elena, e de aí a dedo outra vez. Cheguei até Libertad Bolívar, e, nesse caminho, primeiro contato visual com o Pacífico. De aí, faltavam uns 10 km para saudar o mar de perto, que eu resolvi fazer uma boa parte caminhando, com a mochila de 15 kg. Foi a primeira vez que eu encontrei o sentido prazeroso de chegar caminhando, com todo esse sacrifício, a algum lugar pela primeira vez:o oceano Pacífico.
Cheguei a Montañita morta, e com US$8,00. Perguntei a alguns artesão por um lugar barato para ficar, e descobri um hostal em que dividia um quarto com uma colombiana, quem me apoiou muito nos primeiros dias. Logo fui buscar umas varas para armar um pano com o pouco que eu tinha de artesanato, na esperança de ganhar algo para passar esse dia e o outro.
Foi quando conheci um argentino, Santiago, que talhava madeira e me ajudou com o pano. No dia seguinte saí "mangueando", e vendi US$8,00. Era o meu primeiro dia em Montañita, e havia sol. À noite fui procurar emprego, e, no primeiro restaurante, me disseram para estar no dia seguinte às 18h.
No dia seguinte e nos outros três trabalhei como caixa, de sexta à segunda, que era feriado. A princípio era trabalho para fim de semana, o restaurante estava começando, queriam pagar pouco. Aguentei a semana buscando outras coisas para fazer, mas estava difícil. Trabalhei no outro final de semana, sempre perguntando pela possibilidade de trabalho fixo.
Por estes dias chegou Daniel, que eu havia conhecido na Colômbia e que me havia prometido visitar. Ficou em Montañita por uma semana comigo, e nesse tempo, se foi a garçonete do restaurante. Depois de pensar em partir com Daniel pro Peru, consegui trabalho fixo.
No meu dia livre fomos a Valdívia, 22Km caminhando, e tomamos muitas fotos. Valdívia era um povoado onde, dizem, estiveram as civilizações mais antigas da América do Sul.
Daniel também tinha pouco dinheiro, e em Montañita teve a idéia de fazer sanduíches e brownies para vender.
Nesta época eu já havia me mudado de Montañita para Manglaralto, povoado 3Km ao sul e 35 minutos caminhando pela praia.
Era uma casa grande e antiga em frente a praia, com várias cabanas em volta, e Pocho, o dono, cobrava US$1,00 por dia. Quando cheguei, não havia lugar nas cabanas, e Pocho me colocou na casa, no quarto ao lado do dele. Quando chegou Daniel, nos mudamos para uns quartos do outro lado da rua, na praia. Foi a mais bonita. Toda de bambú, com uma janela enorme, e o chão de areia. Mas úmida e fria por estar tão perto do mar. Depois, quando ele se foi, me mudei para uma das cabanas.
As pessoas que se mantiveram por lá desde que cheguei foram: Cíntia, argentina; o casal Lila, peruana e Carlitos, argentino; o outro casal Yovani, o equatoriano que acordava a todos com seus gritos e gargalhadas matinais, e Sondia, americana; Lucas, o cordobês argentino que tocava violão e imitava o galo pelas manhãs; Katia, americana e Pamela, peruana.
Os meus dias eram sair às 15:30, caminhar pela praia até Montañitas, onde deveria estar às 16:00, e trabalhar até meia-noite. Daí, voltava cantando à casa, o barulho das ondas me trazendo milhares de recodações. No trabalho, os mais próximos de mim eram Joselo, o chefe de cozinha; Lourdes, a administradora colombiana (que vivia no Equador como refugiada, uma grande mentira); Dani, o administrador geral; Vivi, a caixa da manhã e David, o dono desse e muitos outros restaurantes pelo mundo, ianque.
Eu gostava de trabalhar lá. Muitas vezes dei muito mais do que me era exigido. Nos divertíamos com nossas diferenças de sotaque e com o fato de que eu nunca entendia as piadas pela primeira vez. Conquistei a amizade o adm. geral, super mal-humorado, e de certa forma consegui também aproximá-lo dos outros companheiros.
Trabalhei dois dias no Hola-Ola café, um outro bar restaurante de donos israelitas como muitos outros no Equador e na Colômbia, que superexploravam mais seus funcionários que o meu chefe. Não gostei. Muita pressão, todos tensos. Mas me serviu pra conhecer uns chilenos, um argentino e um uruguaio.
Como o restaurante em que eu trabalhava estava começando (tinha um mês quando entrei) estávamos sempre nos metendo, dando idéias pra tentar atrair movimento, e muitas noites foram péssimas. David se trancava no quarto e chorava.
Depois que ele descobriu que eu sabia fazer algumas coisas no computador, dizia insistentemente pra eu ficar até novembro, me oferecendo a passagem de volta, entre outras coisas. Uma semana antes do dia em que eu planejava ir embora, a administradora Lourdes se demitiu, deixando David, que planejava ir aos EUA logo, numa situação complicada. Ele me ofereceu a administração, novamente com a condição de que eu ficasse até novembro. Eu recusei, mas acabei ficando uma semana mais para ajudar Vivi a se organizar. Fizemos uma reunião e dissemos uns aos outros tudo o que estava mal-feito, principalmente na administração anterior. Quando saí, estavam bem mais organizados, tive a certeza de que iam melhorar.
Nunca levei em conta a proposta de ficar, mas lhes deixei como prova do meu agradecimento, por ter me sentido tão bem lá, um novo menu, salvo no computador, que eu digitei e decorei durante longos dias. E como reconhecimento, quando saí, me pagaram mais do que deviam, e os U$$8,00 com que cheguei se transformaram em US$200,00. David me ofereceu uma festa de despedida regada a cerveja, pizza, espetinhos de frutos do mar e alguns... cigarrinhos.
A lembrança mais forte que eu tenho do Equador são as caminhadas pela praia, quase sempre deserta. As estrelas-do-mar laranjas, as tartarugas marinhas gigantes, o plâncton brilhante, o lagartinho azul e os peixes que eu nunca imaginei que podiam existir... O ciclo da vida intocado. Os animais que eu via um dia doentes, no outro mortos e nos próximos sendo devorados pelos urubus.
Nm dia desses eu voltava pra casa com um dos chilenos que conheci. Nos entendiamos pouco, apesar de nos gostar, e ele fazia, meio bêbado, um balanço sobre o governo de Pinochet quando saiu do mar uma tartaruga enorme. Não muito sãos, lhe tocamos a carapaça, que brilhou por estar coberta de plâncton. Noite mágica, me lembro de todos os detalhes.
No meu último dia de folga, eu quis ir a um povoado próximo, onde havia cachoeiras, na bicicleta que Joselo me emprestou. Quando estava saindo, na cozinha, havia um argentino que chegara há pouco na casa: Andrés. Convidei-o a ir comigo, e nesse dia terminei por fazer com ele tudo o que queria e não havia feito no mês todo de trabalho: depois de Dos Mangas (o povoado), fomos à montanha que dá nome a Montañita (vista espetacular de Olón!), onde encontramos, passeando, um puma, e terminamos a noite fazendo uma fogueira na praia.
No dia seguinte, Andrés propôs que fôssemos juntos de carona até Mâncora, o que achei ótimo, principalmente porque ele já havia estado lá e conhecia os lugares baratos. Não nos separaríamos por um bom tempo.
No dia em que planejávamos sair, finalmente passei mal intoxicada pelas amebas da água de Montañitas, sobre as quais desde Taganga eu vinha sendo avisada. Tivemos que esperar um dia mais. Neste dia, o meu último lá, o sol resolveu novamente aparecer. Me saudou, e se despediu. Nos outros dias todos, que ao todo foram mais de um mês, não apareceu. O cordobês e Yovani se foram, e um silêncio triste tomou conta da casa de Pocho. Os únicos que ficaram fomos nós dois, Lila e Cíntia, mas as meninas passaram o dia fora. Inclusive Pocho estava passando uns dias em Guayaquil. Sondia e Yovani se separaram, e seguiram cada um o seu caminho, e Lucas e Katia se fizeram companheiros, e construíram um novo caminho juntos. O gato, que outrora todos queriam e que era muito esperto, estava doente e faminto, abandonado.
Sem dúvida, hora de partir. No dia seguinte, lá pelas 7h da manhã, me despedi da praia, saudei Yemanjá e fomos para a pista. De aí chegamos a Santa Helena, logo a Guayaquil, a Durán - almoçamos as lentilhas que haviamos cozinhado em casa - a Santa Rosa e a Huaquillas, fronteira.

sábado, 12 de setembro de 2009

Colômbia – impressões




Assim que cheguei na Colômbia, me senti muito em casa. As cores, as danças típicas, os rostos, os tempeiros, a alegria, a sociabilidade. Uma mistura de nordeste e amazônia brasileiras, que me fazia sentir muito bem.
É um país barato para turistas, mas caro para os colombianos. Viver é barato, mas por outro lado se ganha muito pouco. Eu lembro de algum venezuelano me contando que há muitos colombianos na Venezuela, porque aí se pode poupar algo. Na Colômbia só se ganha para viver, e não muito bem. Provei isso na pele. E agora vejo que o Equador também atrai muitos colombianos.
O transporte público também é feito em carros particulares. Me faziam lembrar caminhões de circo. Adesivos e luses coloridas por todas as partes, cortinas, bancos vermelhos imitando couro, toda sorte de penduricalhos nos painéis.
Os colombianos têm o mesmo vício das telenovelas. São incrivelmente amáveis e receptivos. Quando cheguei a Cartagena, ia de casa ao mercado, cinco quadras, e escutava me chamarem de “mona” várias vezes. Eu me preguntaba porque me ofendiam, não entendia nada, afinal “mono” é macaco. Semana depois, no trabalho descobri que “mona” é loira. Outra coisa que me impressionou foram os fio-dentais, que se chamam brasileira, simbolizando o pensamento que têm sobre nosso país. Agradeçamos à Globo!
Dos narcotraficantes, todos sabem. Respeitam, ninguém se mete. Na região de Turbo estava claro. Nos apresentávamos em lugares onde almoçavam os “duros”, como eles dizem aos homens que têm algum poder. Tinham choferes, “acompanhantes”, e sempre davam boas contribuições.
As drogas são absurdamente baratas. Os caminhoneiros que me levavam às vezes diziam: “Atrás desse monte há uma plantação de Marijuana”.
A guerrilla já não é mais nada que assusta. Há três ou quatro anos, contam os caminhoneiros, fechavam as estradas das 18h às 6h, e quem se atrevesse a passar tinha o veículo queimado. Circulando pelas estradas, viam os acampamentos.
Eu cruzei a Colômbia de carona, sozinha, por dois dias viajei à noite, uma delas na região do vale do Cauca, onde todos os caminhoneiros estavam de acordo que ainda há guerrilheiros, e tudo bem. Outro assunto sobre o qual a grande maioria estava de acordo era sobre a diminuição da força das FARC no governo de Uribe. Por motivos pessoais, como acreditam alguns, ou não, é um benefício que admitem.
Por outro lado, enquanto eu estava na Colômbia, Rafael Correa havia expulsado sete bases americanas do Ecuador, e Uribe as admitiu na Colombia. O povo, claro, não gostou. Chavez saiu nos jornais dizendo que Uribe estava traindo a pátria, e os colombianos concordaram. Surgiu um boato de que Correa havia recebido dinheiro das FARC para sua campanha. Ele negava, Chavez entrou na briga. O que sei é que quando saí para o Ecuador, os caminhões enfrentavam filas quilométricas nas fronteiras.
No geral, o povo me pareceu estar descontente com o governo. Tudo é pago na Colombia, inclusive saúde e educação.
No mas, é um país encantador. Cruzei costa, serra, montanhas e vales. Tinha vontade de parar, de estar me locomovendo por meios próprios para poder acampar quando quisesse. Lembro que o ponto fulminante dessa vontade foi num rio de pedras e água muito cristalina chamado Dos Ríos, que formava um vale entre duas montanhas, em algum lugar depois do vale do Cauca.
Rodar nas estradas é, para mim, a própria prática da liberdade: a possibilidade de parar e começar em qualquer lugar, de qualquer maneira, sozinha, sendo quem eu quiser é o sentimento mais prazeroso que eu já experimentei.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Colômbia


21 de julho de 2009

Chegar num país estranho sozinha foi uma experiência e tanto. Nos dois primeiros dias, estive com Francis e fui turista. Caminhamos por todo o centro histórico de Cartagena e sobre as muralhas, que ao amanhecer e entardecer têm uma paisagem emocionante. Dois dias mais na casa do CS (que não foi uma boa experiência), encontrei um quarto por 10 mil pesos diários e, vivendo no centro histórico, acabei encontrando dois empregos na mesma noite e pude escolher um bar restauramte, que pagava mais.
O calor em Cartagena alcança facilmente os 38ºC, e eu desejava mesmo trabalhar à noite, porque passava os dias tomando banho (depois do quinto a dona do lugar começava a me olhar feio) e debaixo do ventilador. Eu me sentia no próprio "O Cortiço"; os quartos pequenos e abafados, o cheiro de comida, as mulheres lavando roupa, louça e fofocando. E fui muito bem recebida, sempre me perguntavam sobre o trabalho e me chamavam de filha.
Depois do trabalho, que terminava às 3h ou 4h da manhã de sexta à domingo, eu não conseguia dormir e ia caminhar pelas praças e aproveitar o vento fresco da muralha. Os ratos caminhando livremente pelas ruas, homens esqueléticos dormindo nos bancos da praça ou remexendo as lixeiras. A realidade atroz que à luz do dia não pode aparecer sem alguma fantasia porque os turistas não gostam. Nesse momento eu a via sem máscara, e era monstruosa.
Quem me fazia companhia eram os meninos da infantaria do exército que faziam a guarda da muralha, a quem eu fazia longos interrogatórios sobre a guerrilha, e o guarda noturno da náutica, de quem eu tentava arrancar informações sobre os meios possíveis de viajar de graça.
Num dos meus dias de folga, saí à noite para caminhar e me sentei numa mureta para escutar o Vallenato dos artistas de rua. Uma senhora que vendia flores começou, preocupada, uma conversam me perguntando porque eu estava sozinha e, com muito interesse, acabou escutando toda a história. Seu marido chegou em seguida, e no final da noite já éramos velhos amigos. Esse casal foi a minha conexão com o que seria a parte mais difícil da viagem. Eles vivam do turismo como muitos outros vendedores e músicos.
No dia seguinte um senhor com profundas olheiras e sem dentes batia à minha porta. De nome oficial Jose Guillermo e se apresentando como Huayra, buscava alguém para trabalhar com ele e a idéia de Bossa Nova e samba lhe agradava. Vinha guiado pelo casal que conheci na noite anterior. Eu nunca fui nenhuma especialista no assunto, mas como brasileira, era o melhor que ele podia encontrar por aí.
Eu já estava descontente com o trabalho porque uma vez me pagaram menos do que o prometido, e depois, algumas vezes, tive que voltar pra casa sem trabalhar porque o local era novo e não tinha movimento. Além do mais, eu estava trabalhando somente 3 dias por semana, e isso não cubria os gastos.
Comecei indo com Huayra ao ônibus para recolher as colaborações enquanto ele tocava. Logo encontramos o que tínhamos de comum no repertório: Samba da Bênção, Corcovado e Garota de Ipanema. Aprendi uma cumbia, "El alegre pescador" e uma folclórica argentina, "Carnavalito humauaqueño". Tínhamos mais "Aquarela do Brasil" e "Tico-tico no Fubá" para que eu dançasse. Já era suficiente para tocar nos restaurantes e pedir a colaboração. Eu achava o cúmulo pedir dinheiro por sambar, mas depois que vi as pessoas aplaudindo e as colaborações crescendo, deixei o que pensava de lado.
Depois de ir trabalhar numa sexta e não haver ninguém, deixei o trabalho e descobri que podia fazer mais, muito mais dinheiro com a música que com o restaurante.
Eu já comecei a trabalhar com Huayra sabendo que ele não era exatamente o tipo de pessoa com quem eu prefiro conviver. Capaz de se ajoelhar por um favor recebido e logo em seguida gritar desesperadamente por um pedido não atendido.Em seu exagero, me chamava de "Milagro". E alguns dias mais tarde já me achava a pessoa mais cruél que havia conhecido. O drama em si. Quase eu ao contrário. Minha quase frieza diante da sua hipersensibilidade, minha quase constância diante da sua temperamentalidade. Era óbvio que íamos nos desentender, e não tardou. A primeira vez pelo emprego da palavra "submissão", a segunda por um ciúme ridículo, e, à partir daí, sempre.
Quando cheguei a Cartagena, numa noite com Francis, conheci um espanhol que vinha conhecendo a Colômbia desde o Panamá, e que me deu algumas indicações guiadas pelo que eu buscava. Me falou sobre Capurganá, fronteira. Um povoado pequeno, 1.500 hab., onde só se pode chegar de barco. Eu tinha essa idéia mais ou menos fixa, sujeita às possibilidades. Por casualidade, Huayra tinha quatro filhas nesse lugar. Numa manhã, depois de se arrepender de um contrato em que iam nos pagar, segundo ele, muito pouco, arrancamos pra Capurganá numa decisão tomada em meia hora.
De Cartagena passamos trabalhando por Turbaco, Sincelejo, em Monteria um amigo dele nos contratou para tocar num restaurante, em Apartado, e de Turbo tomamos um barco a Capurganá.
Um pouco decepcionante porque mais turístico do que eu esperava, mas um paraíso de qualque maneira. Conheci suas quatro filhas, sua ex-mulher e o marido. Encantadores. Me trataram mais que bem, e me agradeciam a todo momento por estar com ele e possibilitar a visita.
Em baixa temporada era um pouco difícil manguear, mas mesmo assim nos ia bem porque os poucos turistas eram ricos e contribuíam bem.
No segundo dia conheci um brasileiro que me hospedou por dois dias. Elias talha madeira e tem uma casa linda, coberta de folhas de palmeira, uma mangueira gigante no quintal e a mais absoluta paz.
Depois fomos para um hotel que nos hospedou em troca de uma apresentação por dia. Era num bosque em frente à praia, e as cabanas ficavam no meio, em trilhas de paralelepípedo. Pra mim, o hotel mais bonito do povoado.
Para Capurganá, combinamos que íamos ter meio dia livre: a parte da manhã. Nesse tempo eu ia descobrir as praias, as trilhas. Capurganá tem umas praias muito particulares, de pedras lisas, de corais, e umas trilhas que levam de ponta a ponta do povoado. Um dia resolvi ir pro povoado do lado, Sapzurro, uma hora caminhando em pleno Darién, do qual antes o nome me causava arrepios, tantas são as lendas em torno do lugar. A próxima praia partindo de Sapzurro é La Miel, que já fica depois da fronteira com Panamá.
A fronteira era uma trilha de mais 20 minutos, subindo e descendo um monte, com uma cabana no cume onde ficam um soldado de cada país. Essa fronteira eu atravessei de roupa de banho, canga-bandeira do Brasil nas costas - não por patriotismo mas para me proteger dos mosquitos - e chupando as mangas rosas que cobriam o chão.
No posto da fronteira, uma vista belíssima: Sapzurro ao sul, La miel al norte, a oeste o Darién e a leste, de longe, as Ilhas de San Blás. De longe o sonho de seguir viajem para o norte que deixei pra trás pelas condições desfavoráveis: a gripe, a crise, a grana, o visto, o tempo... a saudade. Uma decepção amenizada pelo prazer da viagem nesses países, que não eram o objetivo inicial, mas que agora tenho claro que são tão importantes a ponto de considerar que estar em cada país, em cada uma de suas pequenas partes, é em si um objetivo alcançado. E ter sonhado tão alto foi a causa de sair de casa e estar vivendo tudo isso. De qualquer maneira, a América do Sul é muito rica para passar correndo por cada país.
Em Capurganá acabamos organizando um concerto com entrada livre, por patrocínios. Conseguimos a grana para o barco a Turbo, 50 mil pesos. Por uma estupidez do meu companheiro, perdemos o barco e seguimos viagem a um município um pouco mais perto de Turbo, Acandí, sede do governo de Capurganá e de alguns outros povoados pela região. Acandí e o primeiro Município da América do Sul por sua localização, está escrito por toda parte. Aí, muito rápido, organizamos um concerto pela prefeitura, na noite do mesmo dia.
Já saímos daí em guerra, e continuamos até o final. Voltamos para Apartado, ao lado de Turbo, e de lá ele me convenceu que podíamos fazer muito dinheiro em Medellin, o que eu não achava, mas o tom de experiente dele me convenceu.
Quando eu constatei que estava certa na minha insegurança, percebi que o motivo da ida a Medellín não passava de uma estrada muito ruim e que causava mal-estar ao meu companheiro. Não conseguíamos a grana para Cartagena, e no segundo dia, depois de vários berros, eu decidi que ia embora e simplesmente me desviei do caminho que ele estava fazendo rumo a uma praça, onde me sentei num banco. Quando me dei conta, ele estava ao meu lado me convencendo a irmos juntos pelo menos até Cartagena. Eu tive pena, aceitei.
A grana a gente não conseguia fazer mesmo, então, eu, na vontade de sair logo dali, paguei a minha passagem e mais da metade da dele para voltarmos até Sincelejo, onde sempre nos ia bem. E foi, mas ele decidiu que devíamos ir a Tolú, povoado pequeno na costa, porque aí sim íamos fazer dinheiro. Esse lugar foi particular: guardamos as mochilas num hotel até decirdirmos o que íamos fazer e fomos até a casa de um amigo dele, nos arredores da cidadezinha, que nos ofereceu hospedagem. Voltando a Tolú no Porsche vermelho do amigo Angel, eis que nos acaba a gasolina e temos que empurrar. Uns quinze minutos empurrando, e aparece um caminhão do exército, de onde saltam três soldados para nos ajudar. Chegando na cidade, fomos pelas mochilas, mas o senhor que tinha a chave do quarto já havia ido embora, e só voltava no dia seguinte. Esse dia eu vi o cúmulo do descontrole de Huayra, que quase atacou um empregado que mal entendia o que estava acontecendo. Depois de tudo isso, o lugar ainda nos foi mal. Voltamos para Sincelejo.
Aí, no segundo dia eu passei muito mal. Outra vez disse que nao íamos mais trabalhar juntos, e não era só eu dizendo que não agüentava mais o ritmo do trabalho, a falta de tempo livre, e principalmente a convivência com ele, era o meu corpo também. Foi a primeira vez que passei mal na viagem. Então ele me prometeu que não ia mandar mais, eu ia decidir tudo. Íamos viver separados e trabalhar somente à noite. Aceitei. Tinha muita pena… havia conhecido as filhas dele e sabia que ele tinha passado alguns dias na rua pouco antes de me conhecer. Aceitei.
Por eu estar mal, decidimos ficar mais uma noite. Foi a gota d’água. Acordei de um pesadelo com ele mexendo nos meus pés, alcoolizado e drogado, gritando, respirando ofegante. Tive medo.
Na manha seguinte, ele me implorava perdão e eu só conseguia dizer: “Você não vai comigo.”
A principal desculpa por estarmos juntos até então era a dívida que ele tinha comigo. Achei que estava pagando um preço muito alto para esperar o pagamento, e toda a minha pena desapareceu. E não era só isso: em estar sempre em hotel, viajar sempre de ônibus e não conseguir conversar com ninguém por muito tempo sem ser interrompida por ele se perdia muito ou quase tudo do sentido da minha viagem, que por algum tempo o prazer de fazer música cobriu. Mas nos últimos dias ele já tocava tudo pela metade, sem avisar, eu entrava na hora errada e ficava um lixo.
Por tudo isso, hoje, um dia depois da independência da Colômbia, eu virei uma página difícil e importante: tomei um moto-táxi até a saída da cidade e peguei uma carona de caminhão à Barranquilla, 5h de viagem, de aí a Santa Marta, mais 1h e de aí a Taganga, 40 min, povoado de pescadores e lugar mais perto da fronteira com a Venezuela em que eu parei.
Pela primeira vez, me permiti ser somente emoção e fazer somente o que tinha vontade: não faz o menor sentido estar aqui depois de mais de um mês na Colômbia, sendo que logo quero estar no Equador e terei que atravesar o país de norte a sul, com pouco tempo e dinheiro.

5 de agosto de 2009

Depois da tempestade, a calmaria. Em Taganga vivi 3 dias na rede, debaixo de um pé de seriguela, que eu disputava com iguanas e pássaros. Conheci um artesão chileno, Marcelo, que me levou a um lugar mais barato em que se podia cozinhar.
Dias perfeitos: cozinhávamos, tomávamos suco natural o dia inteiro, comprávamos peixe fresco na praia. Caminhando entre as rochas e o mar, descobrimos um poço de uns 4 metros, águas transparentes, onde passamos mais de uma hora calados diante da beleza do lugar. Depois de tanto tempo com alguém que eu não me identificava em nada, Marcelo, em poucas horas, me parecia um velho conhecido. Me apresentou a todos os outros artesãos, me chamava pra "rumbear" à noite, nos lamentávamos das saudades, me mostrava fotos. E no meu 4º dia em Taganga, chegou Daniel, peruano. Estudante de sociologia perdido, com pouco dinheiro e muita vontade de ir ao Parque Tayrona. Só o que não tínhamos em comum era a nacionalidade, o que era bom porque podíamos trocar informações. O que nos impedia de ir ao Parque Tayrona era a entrada, que valia 30 mil pesos. Conversando com os artesãos, descobrimos que havia uma maneira de entrar sem pagar: desceríamos do ônibus um pouco depois da entrada principal e seguiríamos por um rio raso em direção ao mar. O Parque Tayrona é um parque nacional protegido, e tem uns 20 km de costa, mas só é vigiado na entrada principal. Depois, há sítios e chácaras particulares.
Fomos a Santa Marta no mercado municipal, compramos comida e tomamos o tal ônibus. Baixamos pelo rio até a praia "Los Naranjos", a última do parque. Deserta. Até aí, uns 20 min caminhando. Caminhamos mais, entramos por uma trilha, 2 praias mais. O Daniel começava a se desesperar com a mochila gigante, a areia fofa e fervendo, a fome e a sede. Eu, depois do pesadelo, estava tranquila... Nem me incomodavam a mochila (que estava leve porque eu havia deixado muita coisa em Cartagena), as comprar caindo, os insetos e todo o resto. Chegamos ao primeiro camping em uns 50 min. Aí havia todo o coco que podíamos consumir e alguma informação. O dono nos emprestou um facão enquanto tentava nos convencer de que o camping que buscávamos não existia e que os guardas iam nos encontrar sem as pulseirinhas de entrada e nos cobrar ou expulsar.
Comemos, bebemos e descobrimos que estávamos na direção certa e seguimos. Uma hora e meia mais e estávamos no camping de Jacobo, 5 mil pesos diários, "cozinha" e "banheiro". Um fogão improvisado numas pedras e uma grelha, e o banheiro era uma construção estranha, circular e sem telhado, dividida ao meio. De um lado, as duchas, com 2 entradas paralelas sem porta, de modo que ficava impossível não ser visto se alguém passasse, e do outro os vasos, também com uma entrada sem portas, e a entrada de cada um coberta com cortinas de plástico furado, que o vento levava facilmente.
Aí fiquei 4 dias. Recebi a proposta de viver aí com Jacobo, que me dava café e coco todos os dias.
Eu e Daniel recorremos todas as praias e encontramos a famosa árvore de manga. Chegamos a passar um dia com coco e manga. Incrível... na mais santa paz, as conversas, o céu estrelado na noite sem luzes, os cavalos correndo livres, o mar azul, os caminhos por entre a mata.
No 4º dia eu tive que sair, já havia ficado um dia a mais que o planejado e tinha medo de gastar muito. O Daniel, que a princípio ia comigo, ficou. Não resistiu ao parque. Ficou a promessa de uma visita no Equador, afinal nos dávamos muito bem. No começo, se alguém fizesse isso, eu ia mudar os planos pra ter companhia, mas agora... passadas tantas coisas... segui, afinal, carona sozinha é mais rápido. Nesse dia caminhei do camping até a entrada sem parar, uma hora, com um ianque e um casal argentino, ela, incrivelmente, tocava violão e conhecia Mônica Salmaso. Daí uma carona de moto me levou até a entrada. Até Santa Marta fui com um senhor muito grande, negro, que cantava salsa e dançava enquanto dirigia. Mais uma carona até Barranquilla e outra a Cartagena. Cheguei em Cartagena cansada, vendi umas roupas, arrumei na mochila tudo o que havia deixado. Essa foi uma das coisas que eu fiz confiando na certeza de Huayra de que íamos voltar logo: deixar minhas roupas de frio e papéis, coisas que não ia usar em Capurganá, porque íamos voltar logo e uma mochila grande ia incomodar muito. Isso me prendeu a Cartagena, pois de Medellín poderia seguir viagem. De qualquer jeito, serviu para me dar coragem e conhecer a região de Santa Marta, que eu quase fiz a besteira de deixar para trás. E em Cartagena, depois de arrumar as coisas, estava tão cansada que fui dormir, na mesma pousada em que havia vivido e deixados as coisas. Não me despedi de Monica e Víctor, a florista e o fotógrafo, e nem de Marcelo, o músico brasileiro, e sinto muito por isso.
De Cartagena, na terceira ou quarta carona, encontrei um senhor que ia para Medellín e me convidou a ir com ele. Era mais de um dia de viagem, demais. Mas aceitei. Me lembrei de quando ia de casa a Rondônia; o mesmo medo. Chovia, eu só conseguia ver as luzes da faixa direita e mais nada. Estávamos subindo a serra. A pista estreita, os outros caminhões, as manobras perigosas. Pelo menos o caminhão estava carregado , e não passava de 20km/h. Paramos à meia noite mais ou menos, dormimos meia hora no banco porque ele estava com muito sono, e eu não servia para conversar porque estava igual ou pior, apesar da ansiedade. Chegamos em Medellin às 6h e eu dormi a manhã toda. Me levantei às 14h e fui buscar uma maneira de sacar dinheiro. Outra vez no mercado Exito, consegui. Pouco, porque não tive muita paciência. E à noite não saí mais que meia hora. Havia uma festa municipal nacionalmente famosa, a "Fiesta de las flores". Mas eu estava tão em outro clima que tudo o que era urbano me causava uma grande repulsa. E fui ao hotel, desfrutar de estar num quarto só meu, assistir enlatado americano e comer porcaria. Me lembrar de Brasil, das minhas tantas vidas aí e dessas coisas estúpidas que, feliz e infelizmente, a gente pode fazer em qualquer lugar.
De Medellin segui de carona até Pasto, parando para dormir em Santander de Quilichao. Aí o caminhoneiro me pagou hospedagem, jantar e uma cerveja. Vários outroa já haviam feito isso, houve até um que me deu uma caixinha de doces de "la Guajira". Segui até Pasto, e dormi aí por uma noite para seguir ao Equador. Aí encontrei um hippie que me convidou à casa dele onde vivia com a mulher e a filha, muito bêbado, e brigaram. Ele me deu muito material para trabalhar, além de um delicioso suco de amora. Pasto tem um vulcão em atividade ao lado, e sua filha tinha o nome do vulcão como segundo nome: Galera.
De Pasto segui de carona até Ipiales, e de aí à outra fronteira. Passaporte selado sem problemas, papéis preenchidos... Sequer revistaram minha mochila, nunca o fazem. Estava no Equador