quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Peru






11 de outubro de 2009

Já estou no Peru há quase um mês. Fiquei poucos dias em cada lugar, passei por muitos, e, de qualquer jeito, ainda falta muito pra conhecer. E o país que mais me deu a impressão de que tenho muito pouco tempo.
Chegamos em Mâncora, eu e Andrés, no mesmo dia em que cruzamos a fronteira. Nesse dia conseguimos carona até a fronteira, e quando terminamos de selar os passaportes já eram quase 9h. Pegamos dois ônibus até Mâncora, chegamos à meia-noite e acampamos. No dia seguinte, fomos para um lugar chamado "Cuartos Rústicos", que era uma construção toda de bambú, com vários quartinhos de chão de terra. Eu convidei Andrés a Chachapoyas comigo, porque até então estávamos nos dando bem, e ele aceitou sem contestar.
Daí seguimos para Chacha de carona, e no mesmo dia avançamos perto de 700km, com muita sorte, e chegamos perto de Pedro Ruiz, 50Km de Chacha. Era mais de meia-noite e íamos nos acomodar numa calçada. Chovia. Um rapaz meio bêbado nos levou para dormir no apartamento de sua irmã, aí ao lado. Não me esqueço: nos acomodamos no quarto dele enquanto ele pressionava seu companheiro para definir sua relação com a irmã. O rapaz tremia, nervoso, mas acabou tudo bem.
Era um domingo quando chegamos a Chacha, e conseguimos um hotel barato de 5 soles cada. Saímos para vender artesanato e eu vendi bem, 23 soles.
No outro dia nos preparamos para a caminhada na região que eu tanto queria, e ainda vendi algo mais. Tínhamos um cobertor emprestado, plástico para a chuva, comida e filme para fotos.
Às 7:30h já estávamos na estrada, pedindo carona e deixando o destino decidir por qual lado começaríamos. Conseguimos uma carona até "El Tingo", povoado abaixo de Kuelap. À 11h, mais ou menos, começamos a subir a montanha. Passei mal porque a pressão baixou, não havíamos tomado café. Cinco horas e meia, com 10kg de mochila nas costas, subindo de 1.800 a 3.000m.
Chegamos, no final da tarde, a meia hora de Kuelap, e depois de ter a primeira discussão séria, paramos numa chácara. Várias crianças pelo caminho nos ofereciam hospedagem e comida, e a cada uma delas Andrés dizia que talvez voltaria. Eu me irritei, e disse para que ele não as desse falsas esperanças, pois era ilógico retrocedermos em uma montanha se mais à frente haviam tantas hospedagens. A amável senhora nos cozinhou uma sopa e permitiu-nos acampar. Nessa noite tive muita febre, pelo cansaço, dor no tendão do braço e passamos muito frio. Andrés ainda dromiu um pouco porque tinha seu isolante térmico, mas eu não dormi nada.
No segundo dia visitamos Kuelap, 7 soles a entrada. Uns limenhos que eu conheci dando a mão para atravessar uma parte muito enlameada nos levaram até Choktamal. Aí, depois de muito procurarmos, outra amável senhora nos cozinhou e nos arranjou na escola uma cama para dormirmos.
Tomamos café e seguimos caminhando duas horas, quando um caminhão nos ofereceu carona. Aceitamos, estava chovendo e fazia frio. Foi aí que cometemos o erro fatal para os planos: tínhamos que descer em Yumal, o ponto mais alto em que subiríamos, mas não se via uma alma viva, a neblina era muito densa e já passava de meio-dia. Descidimos continuar até o próximo povoado com o caminhão: Chaski. O caminhoneiro disse que daí haveria trilha para Congón, onde deveríamos chegar. Congón já ficava no Valle Belén, portanto a idéia era, agora, descer a montanha e, desde Congón até Luya os caminho seriam planos porque percorriam o vale.
Chaski, assim como Yumal antes, não era um povoado, era um posto provisório de trocas entre a zona rural e a capital. Depois descobrimos que Yumal havia sido transferida para lá. Com a neblina não vimos nada, mas Yumal era, agora, só algumas ruínas e um amontoado de lixo. Não poderíamos ter parado lá.
Passamos a tarde chuvosa e a noite em Chaski, onde Janeth, dona de um dos barracões de mercadorias, nos recebeu carinhosamente, emprestou um quarto com uma cama confortável e quente, cozinhou e não quis receber nada.
Ela estava grávida de cinco meses, e mesmo assim passava dias na venda do pai, sozinha, subia um morro escorregadio com um balde de lavagem para alimentar os porcos e carregava toda a água que necessitava por uns 300m, além de fazer todos os serviços domésticos.Nos deu café e chocolate que ela mesma torrava e moía.
Daí seguimos, com a inteção de chegar a Congón. Foi quando começou o caminho de ferradura, onde era impossível passar de carro. A chuva o deixou terrivelmente escorregadio, e com degrais de lama marcados pelas mulas. Uma delas me atropelou, e eu, para não cair, meti os dois pés numa poça, e desde aí não teria mais tênis e calça secos.
Depois de 4h caminhando em péssimas condições, encontramos umas pessoas que nos apontaram o caminho para Congón por uma outra trilha de 3h, em condições piores ainda. Às vezes chovia, e tínhamos que nos cobrir com o plástico, o que tornava mais difícil manter o equilíbrio. Decidimos dormir no próximo povoado, mais ou menos 2h dali.
Antes do povoado, chegamos à casa de dona Genoveva, que nos ofereceu descanso num banquinho e mote (uma espécie de milho cozido). Dona Genoveva, apesar de, aparentemente, ter mais de 60 anos, tinha um filho de 13 chamado Juan. Juan foi nosso guia, e nos levou à ruínas na mata fechada, em que ele abria caminho com um facão. A primeira delas era um canal de pedras para colher água, a segunda, imagino eu, pelo tamanho, um armazém e a terceira, casas. D. Genoveva nos contou que acharam vários copos e jarros, mas haviam sido levaods por alguém.
Mais tarde jantamos ervilhas com arroz, e improvisaram para nós um colchão de sacos de palha e muitos cobertores. Fazia muito frio. Era o terceiro dia que dormíamos com pulgas, mas, inexplicavelmente, elas não me picavam. Já Andrés sempre acordava se coçando desesperadamente.
No dia seguinte, o meu companheiro continuava animado para ir a Congón. Depois de ouvir dos nativos que o caminho estava muito fechado, e que eles há muito não se animavam a ir, eu já havia desanimado. Todavia tentamos.
Uma hora e meia mais de caminhada até onde o caminho se dividia, e de aí, condições piores. Eu já não tinha muito com o que me preocupar, estava enlameada até o joelho, e seguia não me importando muito em pisar nas poças. Andrés caiu daus vezes. Chegamos a uma casa abandonada, onde pastavam muitas vacas e aguns cavalos, que nos seguiram por alguns minutos. Ao lado havia uma mina, e o caminho se tornava mais fechado, parecia recém aberto e só havia uma pegada. A neblina não deixava enxergar mais de 10m à frente. Fizemos o óbvio e prudente: desistimos da rota do mapa e decidimos voltar a Chacha.
Passamos outra vez por D. Genoveva, e chegamos a Alto Peru, 20 min mais. Aí um simpático senhor nos guiou a San Juan, nos levando por caminhos que nunca encontraríamos sozinhos.
Era sábado em San Juan, e os homens se reuniam na casa do líder comunitário e contavam histórias enquanto tomavam "caña" e uma mescla de cal e coca, que eles colocavam dentro de uma cabaça, e, nela, molhavam e chupavam um arame.
Conversando, descobrimos que um deles estava transportando mercadorias a Chaski. Voltamos a Janeth. Passamos a noite aí e esperamos um dia inteiro por uma carona rumo a Chacha, que terminou sendo a mesma que nos levou a Chaski.
Ele estava um pouco bêbado, e obrigou Andrés a ir atrás com o café enquanto tentava me convencer de que eu deveria estar viajando com um rapaz que tivesse dinheiro. Foi engraçado. Quando terminamos de subir a montanha, o sol estava se pondo e com seus últimos raios iluminava o Valle Belén e seu rio espetacularmente sinuoso, a que deveríamos ter chegado.
O motorista nos levou até o cruzamento para Chacha. Aí chegamos à noite, e não havia povoado por perto. Só o que havia era uma casinha vazia, onde, de dia, os policiais faziam a guarda. Passamos a noite. Pulgas e frio. Acordamos e saímos para pedir carona. Logo voltamos ao mesmo hostal onde estávamos. Recolhemos as coisas que havíamos deixado e passamos à noite. Foi nesse dia, depois de todas as coisas difíceis que passamos, que nos demos conta de que a nossa relação ia de mal a pior. Ficamos o dia todo separados, depois de ficar cinco dias juntos o tempo todo, perdidos pela selva. À noite, não falamos mais que o necesário.
No outro dia, carona até Cajamarca. Me lembro bem do povoado de Balsas, um vale de clima tropical, produtor de manga, mamão e limão. Vontade de ficar. Em Cajamarca chegamos às 4h da manhã, e passamos o resto da noite no caminhão que nos levou. Às 6h acordamos, cruzamos a cidade caminhando e começamos a pedir carona para Trujillo. Me lembro que paramos em frente a uma cooperativa, e nos deram duas garrafas de água e dois pedaços de bolo. Foram nos levando de pouco em pouco, a estrada estava sendo refeita e, por isso, um pouco de confusão. Chegamos a Salitre, e de aí um caminhão com problemas mecânicos, muito lento, nos levou até Trujillo. Passamos por uma represa, uma imensidão azul circundada de montanhas áridas e avermelhadas, chamada "Gallito Ciego".
A Trujillo chegamos mais ou menos 17:30h. Tentamos mais um pouco, mas nada. Foi então que meu cartão foi bloqueado, quando tentava comprar comida numa conveniência. A moça pensou que a senha que a máquina pedia fosse o número do cartão, digitou errado mais de três vezes e bloqueou. Quando fui reclamar, ela disse que não sabia, e o dono, ao lado, disse que só ficaria bloqueado 24h. Passamos a noite na cidade, primeiro na estação rodoviária, depois no carro de um taxista que se compadeceu. Seguimos viagem a Lima. Não me lembro em que povoado descemos, pois eu estava dormindo, mas deste povoado pegamos carona num caminhão que carregava frutas podres, e tivemos que ir sobre as frutas, em uma esteira. Até hoje não consigo definir que fruta era, mas o cheiro era insuportável. Andrés se acomodou e dormiu, mas eu fiquei terrivelmente enjoada. Quano o motorista parou para almoçar, eu disse a ele que ia tentar outra carona, e me despedi. Na situação em que estávamos, achei que ele não se importaria em não estar comigo, mas ele resolveu me acompanhar, e antes que o motorista voltasse do seu almoço, já estávamos em outro caminhão, nos apertando entre quatro pessoas na cabine e mais uma na cama.
Chegamos a Lima à noite, mas Andrés já conhecia a capital e sabia o endereço e um hotel de 10 soles, bem no centro. Me lembro do prazer que foi dormir numa cama com cobertores e sem pulgas nesta noite.
Fiquei quatro dias. Fui a "la cachina", que é como um camelódromo, esperando encontrar roupas baratas para Puno, mas não encontrei nada. Daniel me acompanhou nas caminhadas. Era outro Daniel. Perdido, atravessava as ruas do centro da metrópole sem olhar, não conseguia se concentrar nos nossos diálogos. Antes éramos capazes de conversar por horas sem que o assunto desse sinal de acabar. Apressado, correndo os caminhos, tinha um olhar sem brilho e reclamava muito da vida para que voltara. Distante de mim. Já não era viajante, não conseguia entender certas coisas que, me parece, só quem está fora de casa, de sua pátria, entende.
Ele me fez pensar em quem serei quando voltar, o que conservarei da vida que levo agora, e a que vou me acostumar de volta. Me fez enxergar o absurdo que é olhar certas coisas de fora, rir-se delas, achá-las ridículas, e depois, voltar e deixar-se sucumbir a elas. Para mim, em Lima, Daniel é outro de quem eu já não gosto tanto, e nem ele mesmo gosta.
E tudo o que fui buscar em Lima, não encontrei, mas a cidade é bonita. Nem "la cachina", nem Daniel, nem a solução dos problemas com o cartão, nem as pedras baratas. Talvez o único fato que tenha feito isso tudo valer a pena foi que, depois de quase inimigos, nos últimos dois dias, eu e Andrés conseguimos recuperar um pouco da amizade que tínhamos antes, e, confesso, depois cheguei a sentir falta dele.
Saí da cidade e fui pedir carona. Atravessei o deserto que se tornou fértil através da irrigação e produzia aspargo, alcachofra, cebola e batata.
Deixei Ica e seu oásis para trás. Cheguei a Nasca, onde Andrés tinha me indicado um amigo que hospedava mochileiros. Cidade pequena, foi fácil encontrá-lo. Depois descobri que ele estava no Couch Surfing, e foi a primeira vez que a situação foi invertida assim. Ia só passar a noite, já que hava chegado às 17:30h, mas Rubem era tão receptivo, e começou a fazer planos de piscina para o dia seguinte... eu precisava lavar roupa, e havia morango e abacaxi tão baratos que fiquei mais um dia. Não sobrevoei as linhas de Nasca, o passeio valia US$40,00.
Daí a Cusco, numa mesma viagem com dois amigos de Lima "muy buena onda". Foi a primeira vez que vi neve. E a paisagem linda, as pampas povoadas de pastores e lhamas. As vicunhas são do Estado, e é proibido caçá-las ou criá-las cercadas. Fomos contando histórias de terror e nos matando de rir. Paramos pra dormir no caminhão mesmo, lá pelas 2h da manhã, e de manhãzinha fomos até Cusco, que estava a uma hora dali. Não me deixaram pagar nada desde o almoço do dia anterior, e no café da manhã nos despedimos. Fui procurar o CS, e fiquei 2 noites aí, pois me aconselharam a ficar um dia pra me acostumar com a altura antes de fazer a caminhada a Machupicchu. Os mesmos problemas com o CS...
Tomei um ônibus a Santa Rosa pra fazer o caminho alternativo a Machu, e logo vi que poderia pedir carona, pois o vale sagrado é muito fértil e tem muito movimento. Corre água verde esmeralda por entre as pedras no rio Urubamba. É lindo, cheio de pomares e descobri, conversando com um agricultor da região, que nas encostas produzem Cannabis Sativa. Plantava só pra consumo local, me dizia o senhor com toda a naturalidade. Que era proibido, mas valia mais que todas as frutas, e que não fazia mal.
Daí tomei um táxi a Santa Teresa e outro à hidrelétrica, que fica a 2h caminhando de Águas Calientes pela linha do trem, que custa US$35,00 para estrangeiros. Até Santa Rosa eu estava sozinha, mas no táxi encontrei uma mãe que ia a Aguas Calientes em busca da filha que havia sido mordida por um cachorro. Na hidrelétrica, mais três brasileiros que tentavam, sem conseguir, se comunicar comigo e a peruana em inglês e espanhol. Um desastre. Rimos muito quando descobrimos. Chegamos aí mais ou menos 18:30h, e já havia muito pouca luz. O caminho é todo plano, mas de pedras grandes, o que dificulta um pouco. Com a lanterna (que os brasileiros não tinham, mas eu havia sido advertida antes), tudo bem. Chegamos a Aguas Calientes mais ou menos 8h da noite, e aí com os brasileiros, como éramos quatro, conseguimos dois quartos por 10 soles cada um. Para Aguas Calientes, ao pé de Machupicchu, absurdamente barato. Não era temporada, e tivemos muita sorte com o tempo limpo.
Eles não toparam subir a Machu caminhando, preferiram pegar o ônibus de US$10,00. Eu acordei às 3:30h da manhã, comi uma barra de cereal e tomei um iogurte. Levava para o dia todo uma garrafa de água (que eu trago até hoje e recarrego em torneiras) e um pacote de "Piqueo Mix", uma mistura de vários tipos de chips, bem salgada e picante. A comida sim, era extremamente cara, e foi o que eu achei prudente comprar como mínimo.
De Aguas Calientes a Machu, 1:30h de subida de montanha, que eu fiz com toda calma, aproveitando cada canto de pássaro, cada flor, cada folha... Não encontrei o caminho pelo qual se entra sem pagar, e, chegando à portaria, levei uma hora pra convencer o administrador a me deixar entrar como estudante sem a carteira internacional. Fui direto tentar subir a Waynapicchu, a montanha q aparece atrás de Machu na foto clássica, pois só podem entrar as primeiras 400 pesoas, até meio-dia. Antes de começar a subida mais íngreme, vi uma placa que indicava "Grande Caverna" e pensei que tinha muito tempo e nada a perder. Desci a montanha por 1h, comecei a escutar o rio de onde havia partido cada vez mais perto, e nada. Pensando que talvez não conseguisse chegar ao topo depois de tanto andar, sozinha e sem ninguém pra pedir informação, desisti e comecei a voltar. Encontrei um casal descendo que me perguntou se faltava muito. Eu lhes expiquei e eles continuaram descendo, e eu subindo. 1:30h mais de subida para chegar ao começo da subida íngreme para o topo. Já estava bem cansada. 1h mais de escadas íngremes para chegar até o topo de Wayna. Cheguei morta, mas nada que a vista espetacular não merecesse. De lá se vê toda Machupicchu. É a vista panorâmica que mostra como a cidade foi construiída estratégicamente para ter difícil acesso. O rio circunda quase toda a montanha, e atrás, por onde não passa, estão montanhas altas e ígremes de pedra, quase impossíveis de serem atravessadas. Também se via daí o caminho para entrar sem pagar.
Aí em cima escutei um sotaque nordestino enquanto comia o salgadinho. Cumprimentei. Aline, bahiana, Fábio e Leonardo, irmãos paulistas que moravam em Minas. Tiravam milhões de fotos, e me salvaram com algumas. Eu estava com a câmera descartável que havia comprado em Cusco, mas 27 poses são nada pra Machupicchu e Waynapicchu. Fizemos o resto do passeio juntos. Toda Machupicchu e a trilha para a "Puente del Inca", que foi construída como meio de atravessar as montanhas "quase" impossíveis e comunicar-se com as outras comunidades. Leo trabalha com turismo, desenvolvimento sustentável, e Aline havia lido muito sobre o local. Eu não tive tempo de buscar muita informação, e foi muita sorte tê-los comigo porque me explicavam tudo. Terminamos a trilha mais ou menos 16:30h, e daí eu segui a pé para Aguas Calientes, montanha abaixo. Me separei dos brasileiros que voltavam a Cusco de trem. Mais 1h caminhando. Nesse dia, ao todo, foram 13h caminhando. Cheguei com as pernas tremendo, e tinha a cabeça e o ombro muito queimados, mas me sentia ótima apesar do cansaço.
Fazer tudo caminhando tinha um outro significado pra mim além do menor preço. Chegar lá pelo meu próprio esforço era uma forma de merecer e desfrutar toda a magia da montanha, que o excesso de turismo e de facilidades encobre muito. Acho que consegui. Me sentia mais calma quando desci, como se fosse capaz de ver todas a minha vida de fora, do alto, como em Waynapicchu, e tomar decisões mais acertadas.
Nessa noite, perguntei ao rapaz que cuidava do hotel onde havia um mercado para comprar algumas frutas e coisas baratas. Antes de me indicar, ele me fez prometer que aceitaria seu convite para jantar, porque a ele não parecia justo caminhar tanto e não ter um jantar digno. Jantamos "truta ao alho", e tivemos uma agradável conversa sobre sua vida de professor na selva, as dificuldades de ensinar os dois idiomas e o que lhe ofereciam os narcotraficantes para que jogasse futebol em seus times.
No dia seguinte, assim que o sol nasceu, voltei pela linha de trem. Sozinha, e no silêncio quebrado somente pelo trem que passou uma vez e pelos raros turistas com quem cruzava. Via os animais comendo e desfrutava do ruído do rio por 2h, até a hidrelétrica, e como não sentia nada de cansaço, continuei. Um pouco depois da hidrelétrica, encontrei uma senhora que caminhava em direção à sua chácara. Vestida tipicamente, mal falava espanhol. Me apontava algumas coisas e me ensinava os nomes em quechua, sempre sorrindo muito. Ajudei-a a colher um pouco de uma gramínea para seus animais e ela me agradeceu exageradamente. Pelo caminho havia um gambá, e quando o viu ela me apontou num tom exaltado: "Caca, hay que chancar!!!". Achou duas pedras enormes e atirou com toda a força no gambá até que ele não pudesse mais se lavantar. Durante a cena, eu um pouco afastada não querendo ver, passou por nós uma Kombi, cheia de passageiros que se viraram para olhar. A senhora terminou e veio até mim sorrindo, e disse: "Huele feo!".
Continuamos, já em terreno seu e ela me deu banana e café. Chegando, me fez sentar num banco para descansar, me disse "Hasta luego" e se foi. Continuei caminhando. O sol estava começando a ficar muito quente, e minha cabeça ardia pelo dia anterior. A Kombi que havia passado voltava, e pedi que me levassem até Santa Tereza.
No caminho, o motorista e o cobrador recordavam pasmados a "brutalidade" com que a senhora havia matado o gambá. Quando me dei conta de qual era o assunto, me disseram: " Você devia ter salvo o bicho!" e a única resposta que eu encontrei naquele momento foi " Quem sou eu para salvar o bicho se ele come os pintinhos da sra?". Se calaram. Se não fossem algumas aulas da Lúcia eu me sentiria culpada por não fazer algo para salvar o bicho quando me disseram que eu devia, e não teria identficado o choque entre essas duas ou três gerações e entre a vida no campo e no povoado.
De Santa Teresa consegui uma carona até Cusco. Em Cusco, almocei e segui viagem. Nesse dia passei pelo povoado onde nasceu Tupac Amaru, famoso revolúcionário. Claro que eu não sabia, o caminhoneiro foi quem me avisou. Consegui chegar até Sicuani, já eram mais de 21h. Esse dia foi outro bem particular: eu tinha que caminhar uns 20 min até o centro, e no meu caminho quatro policiais que faziam a ronda noturna numa viatura me viram com a mochila e pararam para me oeferecer carona. Pedi que me levassem ao hotel mais barato, e eles me acompanharam, os quatro, em três ou quatro hotéis. Eles perguntavam os preços, pechinchavam e ainda pediam para ver os quartos. Eu morria de rir. Até que encontramos um de 8 soles. Eles me deixaram na porta do quarto, depois de me dar o número deles para qualquer emergência. O que tornava tudo mais cômico é que era um povoado, e as pessoas caminhavam tranquilamente pelas ruas. O mais estranho ainda estava por vir: eram umas 23h, eu já tinha pegado no sono e ouvi alguém batendo na porta. Tentei continuar dormindo, mas ele insistiu. Eu disse que estava dormindo, e ele respondeu que queria conversar. Não lembro como começou o papo, mas lembro que ele queria entrar e eu fui bem grossa, dizendo que queria voltar a descansar. No dia seguinte alguém me alertou que existem algum rapazes que oferecem companhia às "gringas" pedindo-lhes pagamento.
No dia seguinte, cruzei o povoado para pedir carona. À margem do rio as senhoras lavavam roupa e cuidavam de suas ovelhas. Consegui ir até Juliaca direto e de aí a Puno. Liguei pro CS. Um dos mais divertidos. Sua mãe havia falecido, e desde então ele tentava preencher o vazio da casa e da vida oferecendo hospedagem para mochileiros. Aí fiquei quatro dias, para variar mais do que o planejado. Puno já está às margens do lago. É barata, e tem clima muito quente de dia, mas lá pelas 17h da tarde começa a ventar e fica frio à noite. Por fim vi, num final de tarde, os flamingos que dão cor à bandeira peruana de San Martín.
Em Puno recebi o dinheiro que pedi emprestado à "mamãe", porque nunca consegui desbloquear o cartão de crédito, mesmo depois de gastar uns 40 soles em ligações para o Brasil. Comprei os presentes justos, um tênis (o outro já estava tão rasgado que era quase uma sandália) e algumas roupas usadas, numa feira enorme de roupas gringas que vêm como doação, "la cachina". Todos os dias tomávamos pisco ou rum ,e no último, saí com Lizandro (o CS) e mais três amigos dele para dançar. Noite de "desahogo". Eu já havia esquecido como era isso. Conheci um grupo de músicos colombianos que estão viajando com a banda há dois anos. Seu sotaque "duro e golpeado" me trouxe boas lembranças. Tive saudade. Guillermo nasceu nas ilhas de San Andres, paraíso que é motivo de briga entre Colômbia e Nicarágua. Oficialmente pertence à Colômbia, mas está bem mais perto da Nicarágua. Ele prometeu que vão passar no Brasil, e ainda trocamos raros emails.
No dia seguinte, já um pouco tarde, tentei carona a Copacabana. Difícil. Cheguei a Ilave lá pelas 16h, e não tinha mais dinheiro em soles para pagar ônibus, nem tinha almoçado. Fiquei uns 40 min. pedindo carona, e nada. Uma senhora que estava nos arredores cuidando da plantação às margens do rio veio me dizer que ali os ônibus não paravam, que eu devia ir à parada. Eu lhe expliquei a situação e disse que logo alguém pararia. Ela foi até sua casa e voltou com 20 soles, que eu não queria aceitar, mas não houve como convencê-la. Então fui de ônibus até um povoado próximo à fronteira, e de aí tomei um táxi. A fronteira peruana já estava fechada, pois a diferença de fuso fazia com que o posto da fronteira do Peru fechasse 1h depois do da Bolívia. Me disseram, no posto de Peru, para dormir em Copacabana e voltar no dia seguinte para selar o passaporte. Assim fiz.

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