segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Equador






15 de setembro de 2009

Cheguei ao Equador com boas expectativas. Da fronteira, fui de carona até Quito, meio sem querer. Eu ia parar em Otavala, e dormir por aí, para seguir viagem no outro dia. Mas a uma hora de Otavala, quando pedia carona depois de um povoado, mais de 5h da tarde, já quase mudando os planos e dormindo numa fazenda por aí, parou uma família num carro vermelho.Uma senhora me assenava com um expressivo sorriso, fazendo sinal para que eu entrasse, o motorista acordava a pequena que dormia atrás para me dar espaço. Mochila guardada no porta-malas, seguimos viagem. Já me haviam visto pedindo carona em Ipiales, útima cidade da Colômbia, mas estavam fazendo compras. Me pergutaram a história, e a senhora emitia ruídos de surpresa e diversão a cada ponto final. Descobri que iam passar por Quito, e como tinha pouco dinheiro, achei melhor parar aí direto, até porque supostamente teria lugar para ficar.
Incrivelmente simpáticos, me levaram para conhecer o lago de Otavala, compraram comida, e Paola, a pequena, foi brincando comigo até Quito. Eram: a mãe, que havia ido a Colômbia comprar linha para sua fábrica de vetidos, Beto, 28 anos, que dirigia, e Paola, a irmãzinha de 9 anos. Me convidaram à sua casa em Baños.
Antes deles já havia percebido que as pessoas do Equador tinham alguma simpatia por mochileiros. Saindo de um povoado, eu caminhava alguns metros para estar melhor localizada para pedir carona e, antes que eu levantasse o dedo, um carro parou e ofereceu. Era a primeira vez que isso acontecia. Neste dia, cruzei a serra, os mesmos rios lindos que formavam vales entre as montanhas, e, às 10 da noite, estava em Quito.
Aí tinha um contato do CS que me havia dito sim. Foi rápido, eu não tinha a menor idéia de quem era, só tinha um endereço no centro histórico. Liguei, tomei um táxi e toquei uma campainha na parte alta do centro. Me atendeu uma francesa, que me levou ao terceiro andar, me apresenotou a amiga (que era a CS) e me entregou uma chave. Assisti com elas uma parte de "Lolita" e dormimos.
No dia seguinte eu fui a um povoado turístico por onde passa a linha do Equador chamado "Mitad del Mundo", a 1h de Quito. Nada demais, uma bela vista e explicações sobre os muitos povos do Equador. Percebi que a riqueza cultural do país era muito maior do que eu imaginava.
Neste dia se foi uma das francesas, e chegou outro. Saímos para tomar canelaço (quase um quentão a que adicionam frutas) e comer milho. Descobri que Ali era assitente social, e dava assistência jurídica a refugiados colombianos. Andava de país em país na América Latina trabalhando em sua área.
Quando cheguei em Quito, senti muita falta da câmera. Os descendentes dos índios da serra com suas roupas típicas, longas tranças, as crianças com as bochechas rosadas pelo frio... Me lembrava de Ernesto, das histórias lindas que me contava e das montanhas de Mérida.
Depois de dois dias em Quito, arranquei para Montañita, costa. Pelo erro de colocar um "s" a mais no nome, o google earth me mostrava o povoado em Guayaquil. Por esse erro tão pequeno e estúpido, tomei um caminho mais longo e deixei de conhecer Baños e a parte norte da costa.
Saí de Quito já de carona, com um entregador de remédios, e por Santo Domingo, outra família parou. Fui numa caminhonete, atrás. Quando pararam no posto, me passaram para a frente. Um casal e dois filhos. Ela vivia em Quito, com os filhos, e ele em Quevedo, onde iam juntos passar as férias. Terminaram por me convidar à casa e a jantar, e para completar ele tinha uma empresa de caminhões e me conseguiu uma carona até Guayaquil, onde cheguei de manhãzinha. Daí tomei um táxi até a rodoviária e um ônibus a Santa Helena, que um senhor que me deu carona insistiu em pagar. Guayaquil é cidade grande, eu não poderia atravessá-la caminhando.
Até Santa Elena, e de aí a dedo outra vez. Cheguei até Libertad Bolívar, e, nesse caminho, primeiro contato visual com o Pacífico. De aí, faltavam uns 10 km para saudar o mar de perto, que eu resolvi fazer uma boa parte caminhando, com a mochila de 15 kg. Foi a primeira vez que eu encontrei o sentido prazeroso de chegar caminhando, com todo esse sacrifício, a algum lugar pela primeira vez:o oceano Pacífico.
Cheguei a Montañita morta, e com US$8,00. Perguntei a alguns artesão por um lugar barato para ficar, e descobri um hostal em que dividia um quarto com uma colombiana, quem me apoiou muito nos primeiros dias. Logo fui buscar umas varas para armar um pano com o pouco que eu tinha de artesanato, na esperança de ganhar algo para passar esse dia e o outro.
Foi quando conheci um argentino, Santiago, que talhava madeira e me ajudou com o pano. No dia seguinte saí "mangueando", e vendi US$8,00. Era o meu primeiro dia em Montañita, e havia sol. À noite fui procurar emprego, e, no primeiro restaurante, me disseram para estar no dia seguinte às 18h.
No dia seguinte e nos outros três trabalhei como caixa, de sexta à segunda, que era feriado. A princípio era trabalho para fim de semana, o restaurante estava começando, queriam pagar pouco. Aguentei a semana buscando outras coisas para fazer, mas estava difícil. Trabalhei no outro final de semana, sempre perguntando pela possibilidade de trabalho fixo.
Por estes dias chegou Daniel, que eu havia conhecido na Colômbia e que me havia prometido visitar. Ficou em Montañita por uma semana comigo, e nesse tempo, se foi a garçonete do restaurante. Depois de pensar em partir com Daniel pro Peru, consegui trabalho fixo.
No meu dia livre fomos a Valdívia, 22Km caminhando, e tomamos muitas fotos. Valdívia era um povoado onde, dizem, estiveram as civilizações mais antigas da América do Sul.
Daniel também tinha pouco dinheiro, e em Montañita teve a idéia de fazer sanduíches e brownies para vender.
Nesta época eu já havia me mudado de Montañita para Manglaralto, povoado 3Km ao sul e 35 minutos caminhando pela praia.
Era uma casa grande e antiga em frente a praia, com várias cabanas em volta, e Pocho, o dono, cobrava US$1,00 por dia. Quando cheguei, não havia lugar nas cabanas, e Pocho me colocou na casa, no quarto ao lado do dele. Quando chegou Daniel, nos mudamos para uns quartos do outro lado da rua, na praia. Foi a mais bonita. Toda de bambú, com uma janela enorme, e o chão de areia. Mas úmida e fria por estar tão perto do mar. Depois, quando ele se foi, me mudei para uma das cabanas.
As pessoas que se mantiveram por lá desde que cheguei foram: Cíntia, argentina; o casal Lila, peruana e Carlitos, argentino; o outro casal Yovani, o equatoriano que acordava a todos com seus gritos e gargalhadas matinais, e Sondia, americana; Lucas, o cordobês argentino que tocava violão e imitava o galo pelas manhãs; Katia, americana e Pamela, peruana.
Os meus dias eram sair às 15:30, caminhar pela praia até Montañitas, onde deveria estar às 16:00, e trabalhar até meia-noite. Daí, voltava cantando à casa, o barulho das ondas me trazendo milhares de recodações. No trabalho, os mais próximos de mim eram Joselo, o chefe de cozinha; Lourdes, a administradora colombiana (que vivia no Equador como refugiada, uma grande mentira); Dani, o administrador geral; Vivi, a caixa da manhã e David, o dono desse e muitos outros restaurantes pelo mundo, ianque.
Eu gostava de trabalhar lá. Muitas vezes dei muito mais do que me era exigido. Nos divertíamos com nossas diferenças de sotaque e com o fato de que eu nunca entendia as piadas pela primeira vez. Conquistei a amizade o adm. geral, super mal-humorado, e de certa forma consegui também aproximá-lo dos outros companheiros.
Trabalhei dois dias no Hola-Ola café, um outro bar restaurante de donos israelitas como muitos outros no Equador e na Colômbia, que superexploravam mais seus funcionários que o meu chefe. Não gostei. Muita pressão, todos tensos. Mas me serviu pra conhecer uns chilenos, um argentino e um uruguaio.
Como o restaurante em que eu trabalhava estava começando (tinha um mês quando entrei) estávamos sempre nos metendo, dando idéias pra tentar atrair movimento, e muitas noites foram péssimas. David se trancava no quarto e chorava.
Depois que ele descobriu que eu sabia fazer algumas coisas no computador, dizia insistentemente pra eu ficar até novembro, me oferecendo a passagem de volta, entre outras coisas. Uma semana antes do dia em que eu planejava ir embora, a administradora Lourdes se demitiu, deixando David, que planejava ir aos EUA logo, numa situação complicada. Ele me ofereceu a administração, novamente com a condição de que eu ficasse até novembro. Eu recusei, mas acabei ficando uma semana mais para ajudar Vivi a se organizar. Fizemos uma reunião e dissemos uns aos outros tudo o que estava mal-feito, principalmente na administração anterior. Quando saí, estavam bem mais organizados, tive a certeza de que iam melhorar.
Nunca levei em conta a proposta de ficar, mas lhes deixei como prova do meu agradecimento, por ter me sentido tão bem lá, um novo menu, salvo no computador, que eu digitei e decorei durante longos dias. E como reconhecimento, quando saí, me pagaram mais do que deviam, e os U$$8,00 com que cheguei se transformaram em US$200,00. David me ofereceu uma festa de despedida regada a cerveja, pizza, espetinhos de frutos do mar e alguns... cigarrinhos.
A lembrança mais forte que eu tenho do Equador são as caminhadas pela praia, quase sempre deserta. As estrelas-do-mar laranjas, as tartarugas marinhas gigantes, o plâncton brilhante, o lagartinho azul e os peixes que eu nunca imaginei que podiam existir... O ciclo da vida intocado. Os animais que eu via um dia doentes, no outro mortos e nos próximos sendo devorados pelos urubus.
Nm dia desses eu voltava pra casa com um dos chilenos que conheci. Nos entendiamos pouco, apesar de nos gostar, e ele fazia, meio bêbado, um balanço sobre o governo de Pinochet quando saiu do mar uma tartaruga enorme. Não muito sãos, lhe tocamos a carapaça, que brilhou por estar coberta de plâncton. Noite mágica, me lembro de todos os detalhes.
No meu último dia de folga, eu quis ir a um povoado próximo, onde havia cachoeiras, na bicicleta que Joselo me emprestou. Quando estava saindo, na cozinha, havia um argentino que chegara há pouco na casa: Andrés. Convidei-o a ir comigo, e nesse dia terminei por fazer com ele tudo o que queria e não havia feito no mês todo de trabalho: depois de Dos Mangas (o povoado), fomos à montanha que dá nome a Montañita (vista espetacular de Olón!), onde encontramos, passeando, um puma, e terminamos a noite fazendo uma fogueira na praia.
No dia seguinte, Andrés propôs que fôssemos juntos de carona até Mâncora, o que achei ótimo, principalmente porque ele já havia estado lá e conhecia os lugares baratos. Não nos separaríamos por um bom tempo.
No dia em que planejávamos sair, finalmente passei mal intoxicada pelas amebas da água de Montañitas, sobre as quais desde Taganga eu vinha sendo avisada. Tivemos que esperar um dia mais. Neste dia, o meu último lá, o sol resolveu novamente aparecer. Me saudou, e se despediu. Nos outros dias todos, que ao todo foram mais de um mês, não apareceu. O cordobês e Yovani se foram, e um silêncio triste tomou conta da casa de Pocho. Os únicos que ficaram fomos nós dois, Lila e Cíntia, mas as meninas passaram o dia fora. Inclusive Pocho estava passando uns dias em Guayaquil. Sondia e Yovani se separaram, e seguiram cada um o seu caminho, e Lucas e Katia se fizeram companheiros, e construíram um novo caminho juntos. O gato, que outrora todos queriam e que era muito esperto, estava doente e faminto, abandonado.
Sem dúvida, hora de partir. No dia seguinte, lá pelas 7h da manhã, me despedi da praia, saudei Yemanjá e fomos para a pista. De aí chegamos a Santa Helena, logo a Guayaquil, a Durán - almoçamos as lentilhas que haviamos cozinhado em casa - a Santa Rosa e a Huaquillas, fronteira.

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