sábado, 3 de abril de 2010

Argentina






8 de novembro de 2009

A fronteira da Bolívia com a Argentina guarda as separações mais evidentes entre todas as outras por que passei.
À partir de La Quiaca, as cidades são arborizadas, limpas. Cruzei-a e, mesmo antes de sair, um caminhoneiro que havia me visto na fronteira quando me revistavam a mochila, parou. Pelo menos para isso me serviu a revista!
Me levou até Jujuy, mas antes parou para comprar queijo de bode e lanchamos debaixo dos pés de sauce chorão. Queijo de bode com chimarrão.
Chegando a Jujuy, fui até a praça do centro perguntar aos artesãos sobre um lugar barato pra ficar, em castelhano, claro. Resulta que dos seis que estavam lá, só dois não eram brasileiros, e um deles, depois de tomarmos a sopa da igreja, me levou onde ficavam e pagavam 5 pesos para dormir mais 2 pesos para tomar banho. Não havia colchão, era mesmo só um teto.
Jujuy é linda, tem praças exuberantes, é organizada e tem um bonito calçadão. Eu me assustei com o tamanho, pois Laura sempre se referia ao seu "povoado", e isso, para mim, significava um lugar pequeno.
Aí passei a noite, com os artesãos "livres e revolucionários", que brigavam por dinheiro e dormiam no meio da sujeira dos cachorros que traziam da rua.
No dia seguinte saí para Salta. Um desses brasileiros era de Londrina, e resolveu seguir-me. Na saída da cidade lembro-me que encontramos dois pés de amora carregados, e comemos tudo o que pudemos, tingindo a boca e as mãos.
Chegamos de carona até El Carmen, e de aí, Rony resolveu vender pulseirinhas para pagar nosso ônibus. Fomos até Monterrico, aí mais umas pulseirinhas e tomamos um ônibus para Guemes. Em Guemes o ônibus parou 5 minutos, e nós, fingindo que dormíamos, continuamos até Salta, nosso destino.
Chegamos a Salta antes das 22h, era sábado. Rony logo encontrou conhecidos no parque da cidade, e fomos com eles para a praça, bebendo fernet com coca. Eu pela primeira vez.
Aí ficamos algum tempo, e depois fomos todos a um bar com mesas de sinuca. Foi nessa noite que me roubaram a tranqüilidade do dinheiro guardado, e tive que mudar um pouco a maneira que estava vivendo. Rony bebeu tanto que ficou caído no bar, e eu tive raiva porque o dono cobrava que eu fizesse algo, e ainda não pude ir com os outros meninos ao próximo lugar. Aí mesmo ele foi trancado e dormiu. Fui embora com Beto, seu amigo, e o irmão para a casa deles, que ficava a uns 40 min de ônibus. Eu só me dei conta do roubo no dia seguinte, quando ia fazer câmbio para comprar vinho.
Tinha ficado com 24 pesos e o passaporte. Acredito que quem me roubou estava conosco, porque ainda foi "bom" e me deixou com algo de dinheiro e o mais importante: o documento. Só me roubaram o dinheiro em dólar nos desafortunados 10 ou 15 min em que estive jogando sinuca com Fernando, um índio bonito, e Beto e me separei da mochila.
Passamos mais esse dia em Salta, Beto me levou para conhecer algumas praças e demos um volta pelo centro. Encontrei Rony na praça da igreja, e me pus a fabricar pulseirinhas outra vez. Ainda aprendi alguns pontos novos com Beto, pelos quais antes eu não me havia interessado.
No dia seguinte saímos por voltas das 8h, e, com muita dificuldade e caminhando muito, saímos da cidade e chegamos a uma via de trânsito rápida, onde, estranhamente de imediato um caminhão parou. Eram dois, um menino de 23 anos, Fabrizio, e um companheiro que ia descer logo adiante. Ele ia até Pichinal, bem perto de onde íamos entrar na "ruta 81".
Paramos para cozinhar. Ele comprou muita carne. Paramos debaixo de uma árvore, montamos o fogão improvisado e almoçamos. Chegando a Pichinal, o ajudamos a descarregar caixas e caixas de panetone ("pan dulce"). Mais uma entrega na próxima cidade e passamos a noite na praça de estacionamento de outra.
Nessa noite, Fabrizio descobriu que havia feito entrega da marca errada, e teria que voltar à última cidade para fazer a troca. No dia seguinte, voltamos e eles não quiseram me deixar ajudar. Fiquei na praça com o artesanato, e umas crianças que estudavam na frente da praça compraram algo.
Uma entrega mais e saímos em direção à 81. Dormimos num posto de gasolina, mas antes Fabrizio parou para comprar peixe. Éramos quatro: eu, ele, Rony e Juan, que Fabrizio contratou porque supostamente conhecia os locais e ajudaria a descarregar. Ele mascava coca com cal o tempo todo, e tinha um jeito matuto muito caricato. Comemos "pescado a la pizza", que assamos numa fogueira, e fomos dormir.
No dia seguinte, que deveria ser o segundo com Fabrizio, mas já era o terceiro, nos despedimos e rumamos para o trevo com a 81. Do posto nos levaram rápido, mas chegando no trevo as coisas começaram a complicar. Primeiro porque nos pediram a documentação e Rony, sem passaporte, quase ficou. Um sol escaldante e a estrada vazia. A muito custo nos levaram de pouco em pouco.
Chegamos a Dragones, comemos um pão com mortadela por absurdos 4 pesos e aí ficamos várias horas.
Um caminhão de coca nos levou até um pequeno povoado chamado Capitan Juan Page. Já era final de tarde, o sol estava começando a se por e decidimos caminhar. Descobrimos, perguntando a umas senhoras que caminhavam, que havia um posto policial a 6km. O pôr-do-sol foi exuberante, a seca causava o efeito dos tons violeta e vermelho, e depois o céu estrelado sem luzes. Chegamos ao posto policial "Ingeniero Juarez" e o coronel nos pediu documentos outra vez. Sem maiores problemas com Rony. Logo o coronel nos convidou a entrar, tomar banho, fazer o jantar e nos arranjou colchões. Eu quis dormir na varanda, apesar deles acharem absurdo, porque não suportava o calor.
No segundo dia, em que deveríamos ir embora, a convite do coronel, ficamos. Fomos de carro ao povoado fazer compras para o almoço. Passamos pela aldeia dos índio Wichi, pois un deles, que consertava a bomba do poço artesiano dos policiais, estava conosco. Quando voltamos, o almoço estava pronto. Tomamos vinho e cerveja preta. Colocamos a rede e passamos o dia conversando. À tardezinha chegou uma equipe de biólogos procurando uma espécie de lagartixa. Uma delas era brasileira, de Brasília. Ajudamos a procurar, mas não deu em nada.
Fui visitar a 14ª cruz da peregrinação, seguindo o conselho do policial. No começo da noite, quando eu e Rony voltávamos de lá, chegou ao posto um empresário. Os policiais assinavam papéis de sua madeireira. Eles conversaram com Luciano, que concordou em nos dar uma carona até Posadas, já perto da fronteira. Naquela noite avançamos um pouco com Luciano numa Strada e ele nos convidou a jantar e dormir num hotel confortável.
No dia seguinte, fizemos 900km com ele. Na estrada plana e reta, ele não andava a menos de 150km/h, enquanto me contava sua vida de novela. Ele daria um bom protagonista da novela das 8. Rony ia atrás, mais de 40°C, clima extremamente seco, as pernas queimando. E eu na frente, ar-condicionado, rock clássico, e ouvindo coisas que ora me impressionavam, oram me incomodavam. Ainda mantenho contato com Luciano.
De Posadas emendamos uma carona até 200km de distância da fronteira. Outro filho de brasileiros, falava um portuñol engraçado.
Dormimos no posto, e daí nos levaram até Puerto Iguazú. Tomamos um ônibus urbano até a fronteira do lado argentino. Carimbei meu passaporte e não tive problemas, mas Rony, sem documentos, ficou. Só poderia vir na segunda-feira, e era sábado. Separamos as coisas e caminhei mais da metade do caminho de uma fronteira à outra, depois alguém me deu uma carona. Muito calor, muito verde, azul e nenhum vento. Quando cheguei no Brasil, tinha vontade de gritar, abraçar todo mundo. Já há muito tempo sem falar português, trocava muitas palavras. Fiquei na frente do posto da fronteira pedindo carona. O guarda ficou com pena, e me arranjou uma vaga num ônibus de luxo que ia pra São Paulo. Cheguei em Londrina já muito tarde, e fui tentar a casa de uma amiga com quem há muito não falava. Ela não estava, e eu não conhecia o outro menino que estava morando lá. Pedi por favor, disse que a conhecia. Ele me deixou entrar e desmaiei na sala. Uma sala brasileira, depois de tanto tempo, tantas outras salas, quartos, estradas. No dia seguinte, carona pra casa.

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