sábado, 3 de abril de 2010

Bolívia

29 de outubro de 2009

A passagem pela Bolívia foi bem mais rápida do que eu gostaria. Assim fiz para ter tempo de passar pela Argentina e Paraguai, pela vontade de conhecer a Jujuy de Laura, Salta e Assunción.
Em Copacabana, fiquei três noites e dois dias. Apesar de ser Bolívia, Copacabana é mais cara que Puno, uma decepção por ser muito turística. Brasileiros por todos os lados. No primeiro dia fui à fronteira caminhando para selar o passaporte. Quase tive problemas por passar a noite no país sem selar o passaporte. O fiscal me perguntou pela mochila, e me disse que o que eu fiz era ilegal. Quando perguntou porque eu cheguei tão tarde (já eram 14h), e eu disse que porque vinha caminhando, acho que ele ainda ficou com pena e meu deu um mês de visto. Voltei. 16km de ida e volta que eu fiz caminhando, com toda a calma, das 11h às 17:30h, de roupa desabrigada e sem protetor solar, debaixo de um sol que parecia não queimar por causa do vento fresco. Resultado: ensolação à noite.
No outro dia fui à Ilha do Sol, dita berço da civilização andina, com polêmicas ruínas que alguns dizem não ter mais que 10 anos. Mais 7km caminhando debaixo do mesmo sol. Nesse dia estive com um casal, uma brasileira e um português que iam passar a noite na Ilha e tomar San Pedro. O San Pedro, que me aparece desde a Venezuela com Ernesto, e que eu acabei por não tomar, mais uma vez.
A ilha é uma maravilha natural. Depressivo é como eles cobram pedágio de uma parte à outra, como as crianças imploram por balas e cobram quando se tira uma foto delas. O povo que tem a cultura de compartilhar e ajudar transformado pelas circunstâncias em exploradores. Me lembro de uma conversa na casa de Lizandro em que seu amigo, já exaltado depois de várias doses de rum com coca, me explicava que na cultura aymara a palavra compartilhar não existe, porque é óbvia, e não se nomeia o que não se pode dar conta que existe, pois não há outra maneira de fazer as coisas.
Na saída, encontrei um simpático senhor que se sentou ao meu lado numa sombra. Já não muito lúcido, me contava que havia vivido aí todos os seus 74 anos, e que era agricultor. Depois um guia da ilha explicou que ele tinha entre 82 e 84, e que havia sido escravo dos espanhóis, que dominaram a ilha até meados da década de 50.
Febre e gripe à noite. Essa noite apreciei, sozinha, o espetáculo dos raios atrás do lago Titicaca, e a lua crescente fininha completava a paisagem.
No dia seguinte, às 10h fui para La Paz. Na parte alta das montanhas que circundavam o lago, nevava. Os tetos e as plantações branquinhas. Para não voltar ao Peru para chegar a La Paz, o ônibus tem que atravessar o lago, e o faz por uma passagem mais estreita, em balsa, enquanto os passageiros cruzam de lancha.
Cheguei às 14h, mais ou menos, e tomei um táxi até o centro. O hotel mais barato que encontrei valia 25 bolivianos, não era tão barato. Aí, saindo e perguntando por informações, um senhor disse que me levaria a um restaurante. Terminou por me acompanhar o dia todo, e não me deixou pagar nada, desde o almoço até o arame e o alicate para fazer artesanato. À noite, claro, me bateu à porta com a desculpa de me chamar para que eu fosse ver algo, mas visivelmente mal e com febre, eu pude recusar sem deixá-lo muito chateado.
No dia seguinte, saí com a intenção de ir de carona a Potosi ou a Sucre, como o destino quizesse. Mas quis que eu ficasse. Havia uma greve de motoristas, e as empresas todas pararam, desde as urbanas às de linha. À noite, a partir das 18h, voltariam a sair. Pesquisando preços, o que sairia mais barato seria Potosi. 25 bolivianos e passar a noite no ônibus; economia de hotel. Passei o dia praticando os pontos que havia aprendido em arame, a gripe incomodando muito e às 19:30h, pontualmente, o que há muito não acontecia, saí para Potosi num ônibus leito novo.
Às 5:30h, também pontualmente, estávamos em Potosi. Cinco mil metros. Pela manhã pedi ao motorista que me deixasse ficar um pouco no ônibus, eu tinha sono e estava bem frio.
Às 7:30h saí para caminhar, e mais ou menos às 8:30h, quando parei para tomar café da manhã, senti alguma dificuldade para respirar a senhora que me atendia me contou a que altura estávamos, e disse que o que eu sentia era comum.
De aí tomei um ônibus para a mina. Chegando, um mineiro que, em seu tempo livre, trabalhava como guia, se ofereceu para levar-me à mina por 35 bolivianos. Depois de pensar muito, e da rebaixa a 20 bolivianos, decidi que valia a pena.
De Potosi sai a grande maioria da prata que é escoada pelo Rio da Prata na Argentina desde os tempos coloniais. E até hoje estão ativas. Em algumas, com as mesmas ferramentas rudimentares de 500 anos atrás. Os mineradores tiram prata e zinco. Ele me levou dentro da mina, com capacete e lanterna, até onde há um diabo de barro, que chamam tio Jorge, o nome do espanhol que ameaçava com o mesmo boneco os índios que não queriam trabalhar em péssimas condições nas minas, dizendo que se não trabalhassem, o diabo os comeria.
Dizem que tio Jorge tem relações com a Paccha Mama, e assim nascem os minerais. Por isso não podem entrar mulheres nas minas, porque a Paccha Mama tem ciúmes e não produz os minerais. Depois me explicou que, na verdade, não se permitia a entrada das mulheres para que não vissem e contassem à comunidade os maus tratos que sofriam seus maridos nas minas. Durante seis meses sem sair, debaixo da terra, ao sair eram cegados pela luz do sol.
Saí de Potosi no mesmo dia. Consegui chegar à saída de ônibus, e de aí, por 5 bolivianos, me levaram a um cruzamento que me levaria a Villazón, fronteira mais próxima a Jujuy. Eu não entendia porque a grande maioria ia para Argentina pela outra fronteira, já que era mais longe. Depois do cruzamento entendi: era um cerrado na época seca, sem povoados grandes e todo em leito natural. Do cruzamento, um caminhão me levou a Bitichi. Aí, uma menina de uns quinze anos com um bebê nos braços competia comigo pela carona.
Parou um caminhão e nos levou atrás. Aí já estavam uma senhora e dois meninos. Desceram os meninos e paramos para carregar lenha. Me dei conta que cobravam o transporte.
Enquanto carregavam o caminhão, fiquei conversando com ele, e me contou que havia trabalhado em São Paulo para poupar algo. Sua filhinha de 3 anos é brasileira. Voltou e comprou um camihão, começou a trabalhar com transporte de carga. Saímos e chegamos a Tapiza.
Havia uma senhora conosco que não falava quase nada em espanhol, e eu fazia um enorme esforço para entender e conectar as poucas palavras que entendia. Estava ao meu lado, e às vezes me dizia algo, sorria e me dava três tapinhas na perna. Eu dizia que não entedia e sorria também, ela ria outra vez e me abraçava. Quando carregamos a lenha, subiu outro senhor para viajar atrás conosco. Ele me falou muito bem de Morales, das melhoras que trouxe para os camponeses e que, para as próximas eleições, Morales outra vez. A senhora desceu em Tapiza.
Essa noite foi a melhor dentro de alguns dias. O senhor me emprestou um cobertor e eu dormi na carroceria, sobre o colchão de R$10,00 das Casas Americana e com a rede, olhando pro céu só iluminado pela lua, vendo os meteoritos.
Partimos às 5h para Villazón. Às 7h chegamos. Ajudei a descarregar a lenha, dei um brinco e uma pulseirinha para a esposa e a filha do motorista, e ele se despediu dizendo que ia rezar por mim, que eu não passaria necessidade porque não tinha medo de trabalhar e sem me cobrar nada.
Tomei um suco de cenoura e cruzei a cidade a pé. Havia uma ponte, que uma senhora me indicou um atalho para cruzar, dizendo que a fronteira estava do outro lado. Cruzei, comprei frutas e me cobraram em pesos. Não entendi, mas segui. Um pouco mais à frente pedi informação a um policial e ele me contou que a imigração estava na ponte que eu havia deixado para trás. Voltei com a mesma mochila de 15 kg, debaixo do sol de quase 40ºC. Na fronteira, vi carregadores com sacos enormes nas costas, de comida e cimento, homens e mulheres, crianças e velhos, e percebi que o que eu fazia não era nada. Contei ao fiscal da Argentina que eu havia passado pelo lugar errado, e ele me permitiu voltar à Bolívia . Saída e entrada selados, 3 meses de visto. Ainda tive que deixar a mochila no banheiro da Argentina e voltar à Bolívia pra fazer câmbio. Fiscalização dura. Pela primeira vez me revistaram a mochila. Segui pedindo carona.

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