terça-feira, 9 de junho de 2009

Venezuela - Impressões



Volto e escrever para registrar minhas impressões, estranhamentos e contar uma história.
O transporte público é feito em velhas camionetas particulares ("busetas", que soa estranho!). São muito enfeitadas e não têm horário fixo, os motoristas esperam que se encha para sair.
Os mercados grandes são poucos e mais caros. Compramos comida nos "bodegones", pequenas mercearias, muitos deles com grades na frente, onde a gente tem que dizer o que quer e o dono vai buscando.
A moeda deixou de ser bolívar e passou a ser bolívar forte, o que somente significa que cortaram três zeros. O problema é que usam a moeda velha junto com a nova, e isso causa uma enorme confusão na cabeça dos turistas, e às vezes dos locais também. Algumas vezes fui enganada pelos cobradores de "buseta", que me devolviam troco errado.
Sobre Chávez, estar aqui e ver o sorriso que a maioria das pessoas põe no rosto quando ouve seu nome, me faz respeitá-lo muito, ao contrário do que nos incentiva a fazer a TV Globo. É um homem que entre muitos erros e acertos está tentando fazer com que seu país deixe de ser colônia e tenha orgulho de sua identidade, o que me parece ser invejável. A oposição é barulhenta, sempre cobrando democracia e denunciando corrupção.
As novelas são incrivelmente estúpidas, têm um ritmo alucinante. A que mais me impressiona é uma que trata de prostituição e narcotráfico. Talvez seja a minha visão estrangeira, mas me parece que incentiva os dois. Há também elguns lixos brasileiros. Novelas e minisséries de que a maioria dos brasileiros nunca ouviu falar, e que aqui eles acham ótimo, porque, mesmo de péssima qualidade, são melhores que as outras.
Gravidez na adolescência é um problema seríssimo, e por aí vi várias campanhas a respeito. Nesses dias que estava trabalhando, convivia com o povo, pois o horário comercial me fazia tomar ônibus com os trabalhadores e estudantes, e quando voltava, era comum ver meninas de 16, 17 anos que vinham do colégio com os filhos nos braços. Um dia cheguei a ver uma menina de trancinhas, uniforme, não devia ter mais de 15 anos, com um bebê nos braços e puxando outro que mal sabia caminhar.
As pessoas não são muito amáveis, principalmente quando percebem que se trata de um estrangeiro. Isso sei mais pelos outros, porque eu não tive grandes problemas. Há mulheres lindas, cabelo negro e comprido. Traços indígenas e espanhóis óbvios, representando o que históricamente foi trágico, mas fisicamente deu muito certo! Estão nos homens também. Muito machistas, não perdem a oportunidade de dizer qualquer besteira para qualquer mulher na rua.
O Pedro é o próprio exagero desse temperamento. Nervoso, esmurra o volante do carro, xinga quem encontrar pela frente, sai do carro para discutir com o motorista de trás, escuta um ruído e corre à porta com um facão enorme que esconde pela casa... E na manhã seguinte, está por aí rindo, me dizendo coisas delicadas. Sempre intenso, seja como for.
E o fato de viver nas montanhas, que me causava tanto estranhamento, agora já não causa mais. Eu não entendia nada da geografia da região. Agora já entendo um pouco, tenho uma visão mais panorâmica. Estranhei quando descobri que em 20 min caminhando, subindo a montanha por uma escadaria, se chega mais rápido ao centro do que de ônibus. O problema são os assaltos.
E por falar em ônibus, por esses dias que fiquei sozinha e ia a La Joya com as argentinas, primeiro lugar onde vivi, conheci uma dessas criaturas mágicas de que tanto já ouvira falar, mas ainda não tivera a sorte de encontrar.
Carregava uma folha de aloe vera, que foi o motivo do início da conversa. Ernesto vive na montanha e da montanha. Toca flauta, tem alma da índio andino que expõe com todo orgulho. Me falou sobre o cabelo comprido, que serve para proteger do frio, e de como se sentira "perdendo a força de seus ancestrais" quando a mãe lhe obrigou a cortá-lo ainda jovem.
Ele me contou sobre um xamã nas montanhas, pelo qual me interessei e quis conhecer. Aí fomos, subindo a montanha por um longo caminho de pedras e, nesse tempo, me relatou lendas de seu povo no Equador e me transmitiu, com muita naturalidade, risos e onomatopéias essa forma bela de pensar. Me encantava. Quando chegamos ao tal xamã, um senhor austríaco numa sala cheia de fotos do Jesus de olhinhos azuis, que no momento era tudo o que eu não esperava encontrar, ele logo me especificou o preço (650 Bs) para fazer o ritual com ayahuasca e peiote. Tentei ainda, pedindo que me ensinasse algo, e admito que ele disse certas coisas que me ajudaram a me encontrar, mas o que mais fez foi repetir a bíblia, que eu já ando tão cansada de escutar. E então voltamos, já à noite, baixando a montanha somente com a luz da lua. Ernesto se pôs a tocar flauta, e eu, perdida em meus pensamentos, de repente me dei conta de que a motanha se acendera em milhões de pontinhos verdes (um inseto chamado Lucievnaga), e continuava à medida que passávamos com o som da flauta. Ele a tocar, de olhos fechados. Nesse momento ficou claro pra mim que o que eu poderia encontrar de mais xamânico, de mais mágico era esse próprio homem, que, de tão modesto, tinha um grande respeito pelo senhor austríaco que se autodenominara xamã.

Um comentário:

  1. Oie, Luciana! Só deixando um comentário para marcar a passagem por aqui! Adorei seus relatos, mas senti falta de umas fotos... Gostaria de ver os venezuelanos sob sua perspectiva!

    Bjo e boa sorte!

    Chris - Salvador.

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